Estou tentando escrever essa carta há quanto tempo? Nesses
momentos de plenitude e ambiguidade queria lhe prestar uma homenagem de amigo,
coisa assim meio particular, mas que gostaria de publicar. Imagine, então, a complicação.
Nessas coincidências extraordinárias, estou tendo o
privilégio de estar por perto exatamente na densidade desses tempos e isso me
faz muito bem. Poderia estender essa homenagem a Odja, Andréia e Alana, e a
toda a Igreja Batista do Pinheiro, claro. Mas quero me concentrar em você por
diversos motivos e por uma razão admitida por todas e todos nós: a carga recai
especialmente sobre você, talvez manias de estruturas inevitavelmente
hierárquicas misturadas com o seu próprio temperamento e jeito de ser.
Engraçado, você tem um temperamento muito forte e tem
colocado toda essa força a serviço das pessoas, diante até das estruturas. Mas
você transita muito bem nas estruturas, com habilidade, coragem e desenvoltura;
sempre transitou. Nesses espaços você se movimenta como quem é da casa, talvez
uma criança meio traquina, talvez um adolescente rebelde.
Desse jeito, recolhe reações diversas, todas apaixonadas, e
todas dentro do amplo espectro do ódio e do amor. Às vezes até misturados, mas
sempre muito mais amor do que ódio. Fico me divertindo, lembrando de ódios de
pais que não conseguem evitar amor e admiração de filhos. Crianças e avós, os
dois extremos da vida, têm um profundo encantamento por você. Podem perguntar a
Dona Jete e a Seu Jorge, ou a Valtinho e Jamile. No São João da Igreja do
Pinheiro, ver você dançando forró com as avós e coco com as crianças, foi
inesquecível.
Bem, estava pensando umas coisas. No domingo, 10 de julho,
você chorou ao comentar a expulsão da Igreja Batista do Pinheiro do rol da
Convenção Batista Brasileira. Eu estava viajando e não vi, somente ouvi os
comentários. Lembrei quanto já esperávamos por esse lamentável acontecimento, e
quando ouvi pessoas dizerem que não entendiam o nosso constrangimento, porque
desde que nos decidimos a afrontar princípios e regras estruturadas, já
sabíamos que isso aconteceria. É como se nós mesmos estivéssemos provocando
tudo isso.
Mas, uma coisa é a dor de saber que a flecha está apontada,
outra é receber o tiro. A dor pressentida se concretiza e a violência ganha a
intensidade do corpo atingido e do sangue derramado. Jesus já pressentia a
crucificação e sofreu todas as dores futuras no Getsêmani; mas na cruz as dores
simbólicas e as dores físicas se encontram na fragilidade de um corpo que
sangra como qualquer outro.
Epa! Parece que estou indo longe demais nas comparações.
Você não é Jesus. Aliás, você se chama Wellington Santos, mas não é nenhum santo.
Pelo contrário, todos e todas conhecemos os seus defeitos e ambivalências. Mas,
que coisa surpreendente, poucos e poucas nos incomodamos com isso. Amamos você
do jeito que é. E a impressão que temos é de que Deus lhe ama do jeito que você
é, sem nenhuma intenção de que mude.
Pois é, somos diferentes e bem diferentes, mas somos amigos.
Então, chega a questão de porque você foi expulso da
Convenção. Foi por acolher os diferentes do jeito que são. Foi por respeitar,
admitir e até celebrar a alteridade. Alteridade é simplesmente a humanidade em
sua diversidade exuberante, mas parece que algumas alteridades incomodam mais.
E a alteridade aqui não era questão de desonestidade, ou de violência, ou de
autoritarismo, mas apenas a alteridade do amor, ou dizendo de outro modo, o
jeito diferente do outro ou da outra amar.
Apareceu na minha cabeça uma questão bem complicada. Por ter
uma personalidade bastante forte, você personifica as instituições. Deixe eu
ver se explico melhor. A Igreja Batista do Pinheiro é, de certo modo, a Igreja
do Pastor Wellington, ou o próprio Wellington. Você viveu tanto essa igreja que
a incorporou e não conseguimos imaginar Pinheiro sem você.
Mas você viveu muito também a Convenção Batista Brasileira e
também a personificou. A Convenção de Wellington expulsou a Igreja de
Wellington, ou Wellington expulsou Wellington. Percebe a minha confusão? Algum
tipo de esquizofrenia institucional?
Mas posso afirmar com toda certeza: A Convenção perde mais
do que você quando lhe expulsa. Ela se descaracteriza enquanto lugar de
diversidade. E, partindo do conhecimento de que você não foi expulso nem por
corrupção nem por desmando nem por mentira ou devassidão, todo mundo que não
foi expulso deveria se sentir um pouco desconfortável.
Achei esse coração e os dizeres fantásticos, e uma
representação do que acontece agora de fato. Expulso de uma Convenção, você
continua acolhido em espaços bem maiores. O povo lhe acolhe totalmente,
inclusive através dos seus movimentos organizados. Os depoimentos ao seu favor
se multiplicam. Os sem-terra, sem-teto, Aliança de Batistas, Aliance, CEPESC, CEBI,
grupos LGBTI, e pessoas, e igrejas, e gente, e cidadãos, e cidadãs, e pais, e
mães, e filhas, e jovens, e adultos, e idosos, e crianças.
Siga em paz, meu amigo, em sua imensa liberdade e coragem de
acolher, nem o povo nem Deus nunca lhe excluirá.
Em tempos sombrios e de recuos, ter homens assim como Wellington, ede mulheres como Odja,são sinais de Deus para nós! Belo texto Marcos!
ResponderExcluirMaravilha, Marcos. Obrigado pelo texto. Força aí família IBP.
ResponderExcluirMaravilha, Marcos. Obrigado pelo texto. Força aí família IBP.
ResponderExcluirSó vc Marcos para conseguir traduzir em palavras nosso sentimento pelo Wellington.
ResponderExcluirParabéns pelo texto e a expressão maior de um reino infinitamente maior do que o poder das instituições se convencionam ser. A vida e militância de profetas, só são percebidas quando eles (elas) já não estão, o evangelho nos convida para lermos na vida e na história de homens e mulheres de Deus a revelação da liberdade e vida em Cristo. Deus abençoe sua vida Marcos e a de Wellington, somos todos moradores dessa casa comum que atrevidamente chamamos de reino de Deus.
ResponderExcluirMarcos, lembrei quando pude falar de Deus pra amigos numa mesa de bar. Conversa longa, profunda, intensa e regada com muita cerveja e petiscos baratos, quase uma santa ceia sem o Cristo. Isso porque seria quase impossível que esse testemunho de fé diante de ateus, homossexuais dos dois sexos e ébrios acontecesse numa igreja batista. Hoje essa dor protagonizada por WSANTOS tornou aquela conversa possível na Igreja Batista do Pinheiro.
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