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Marcos Monteiro
Dessa vez fiquei bem irritado. Do mesmo modo que eu
respeitava o ateísmo de Paranísio, esperava que ele respeitasse a minha
religiosidade. Mas quando cheguei na Vila Maravila e o vi comandando a
confecção de faixas, cartazes, dizeres, organizando cânticos e palavras de
ordem para sair em passeata reivindicando o impeachment de Deus, não suportei e
o interpelei nervoso. Mas ele me respondeu primeiro com aquela gargalhada que
eu conhecia e depois foi argumentando pedagogicamente.
– Calma, pastor. O Deus que a gente está denunciando não é o
seu não. Estamos solicitando o impeachment de Mamom, o deus do Capital, que
está ocupando o púlpito de tudo que é Igreja. O seu Deus é o da libertação, do
lado do oprimido e da justiça; o Deus que está agora no comando é o Deus da
opressão que discrimina tudo que é minoria e vive fazendo lobby pra burguês,
banqueiro e latifundiário. Esse Deus de direita está fazendo o maior estrago. E
digo mais: Esse Deus é machista, corrupto, bandido e assassino.
As palavras vinham pesadas, mas o argumento era o mesmo de
Gândhi, que afirmava que o Ocidente tinha se vendido a Mamom. Uma ideologia da
prosperidade se disseminou por todos os cantos do país junto com uma pregação
individualista, que coloca o fervor religioso no circo das benesses e modela um
ser humano voltado para si mesmo, preocupado com vantagens pessoais, disposto a
correr para a zona do conforto, sempre que gritam a palavra crise, cujo
versículo principal pode muito bem ser o dito popular “panela quente, meu pirão
primeiro”. Nos cânticos das igrejas, o pronome pessoal “eu” e o possessivo
“meu” superam todos os outros, desenvolvendo uma egolatria de consequências
nefastas para o cotidiano dos fiéis. Para Santo Agostinho, esse seria o verdadeiro
significado da palavra idolatria (adoração do “mesmo”).
Mais uma vez eu tinha de ponderar e tentar pensar do lado de
Paranísio, meu socialista predileto, pronto para lutar pelo mundo em que
acredita e a construir o melhor socialismo possível em sua querida Vila
Maravila. E tive que admitir que o cristianismo de hoje está sendo o “crack” do
povo, adormecendo consciências e imobilizando atitudes concretas. Mamom é o
verdadeiro Deus das igrejas, e Paranísio defende que todas as religiões estão
vendidas e que diálogo religioso só não acontece de modo mais fácil, porque é
típico do Capital fracionar e dividir, estratégia que alimenta a cultura de
morte. Mamom é um Deus cruel, além de promover sacrifícios humanos em massa,
transforma suas vítimas em cordeiros obedientes e passivos, disponíveis para a
imolação, doutrinados por uma teologia do martírio muito conveniente.
Mamom também é um Deus vingativo, incitando o ódio contra
seus hereges, cerceando seus espaços e dificultando a sua sobrevivência, ou simplesmente
lançando-os na fogueira, sem direito a julgamento ou apelação. São muitos os
que lutam por um mundo melhor que são simplesmente assassinados.
Fiquei pensando também no aparato ideológico que constitui a
teologia do Deus Mamom e dos seus sacerdotes, espalhados por todos os setores
da sociedade, mas especialmente pelo setor religioso, considerando, com
dolorosa honestidade, cada sermão cooptado, disfarçado de amor ao próximo.
Lembrei de Althusser afirmando que o responso litúrgico “amém” é a declaração
verbal de uma disposição de aceitação passiva diante de todo tipo de
autoridade, seja professor, patrão ou pastor. Com o crescimento do movimento
carismático, desconfio que ao “amém” se acrescentou um “aleluia” que não apenas
confirma, mas celebra entusiasticamente tudo aquilo que Mamom diz ou faz.
Foi muito interessante lembrar que antigamente os poderes do
Capital proibiam religiosos e cristãos de participarem da política. Muitos de
nós que queríamos lutar por um mundo melhor, de natureza socialista, éramos
acusados de misturar indevidamente religião e política. Hoje toda igreja e todo
pastor participa com entusiasmo de uma política partidária, desse partido único
comandado por Mamom.
E fui assim pensando e achando que tinha muito mais a
pensar, mas era preciso mais do que isso, tomar uma atitude. Então, me juntei a
Paranísio e seus companheiros e companheiras e também escrevi em letras
garrafais a minha faixa, numa mistura de dor e revolta: FORA DEUS, E LEVE JUNTO
A BANCADA EVANGÉLICA.
Texto com teor profético! Quem tem ouvidos, ouça.
ResponderExcluirObrigado, Marcos.
Ando assustada com os rumos que o Brasil está indo. Precisamos que sua voz se multiplique! Sua lucidez, pontaria e esperança!
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