quarta-feira, 4 de maio de 2016

A BRUXA DO PLANALTO

substancialouca
Marcos Monteiro

As bruxas da Idade Média desencadeavam tempestades, destruíam colheitas, espalhavam a peste entre animais e seres humanos e, o pior dos malefícios, causavam a impotência sexual dos homens. Dilma causou uma crise econômica mundial, atrapalhou a agricultura brasileira, espalhou a chicungunha pelo povo e o pior de tudo, venceu Aécio nas eleições e tolheu o poder político de Temer. O poder das bruxas vinha do pacto com os demônios, o de Dilma da aliança com Lula, que já está sendo exorcizado pela bancada evangélica, com a ajuda angelical de Cunha, e que será entregue ao braço secular da lei, lá na cidade de Curitiba.

Quando as catástrofes aconteciam, as bruxas eram denunciadas e arrastadas aos santos tribunais; muitas, através de promessas, delatavam outras bruxas, antecipação medieval da delação premiada. Desde a acusação estavam perdidas, porque as leis de julgamento previam mil e um critérios de confirmação, com nuances tais quais: o objetivo dos interrogatórios era a confissão, mas se resistiam a torturas só podia ser com os poderes das artes malignas. Um dos testes, inclusive, era jogá-las ao mar amarradas a uma pedra, se conseguissem flutuar eram bruxas.

Portanto, a imensa capacidade de Dilma de resistir às torturas, antigas e atuais, é sinal de culpabilidade e de habilidade adquirida de resistir à dor para continuar prejudicando a humanidade. Os julgamentos não eram apenas punitivos, eram educativos, precisavam alertar o povo para os perigos da bruxaria e, por anos, havia a peregrinação por igrejas e praças públicas, manietadas e vestidas de trapos, para servirem de espetáculo público, sinal visível de que a afronta à alma ameaçava o corpo.

A indignidade do espetáculo que submete Dilma à voracidade política pode ser comparado somente com a voracidade inquisitorial medieval e, se a pós-modernidade, é esse espaço em que se encontra de tudo, supermercado histórico em que o varejo de variedades espalham mercadorias bizarras, a seção medieval está se tornando cada vez mais popular. As caças às bruxas se estenderam por mais de três séculos, atingindo a chamada idade moderna, mas a caça a Dilma adverte que as inquisições continuam e as mulheres ainda são suas vítimas prediletas. Ou alguém tem dúvida de que a parte mais grotesca desse espetáculo é produzida por uma misoginia que ainda está entranhada na existência humana e nas estruturas patriarcais?

A fogueira para Dilma já estava construída bem antes do começo do julgamento. Esperava-se apenas pela tempestade e pela autorização angelical de Cunha, porque denúncias já existiam, como existiam nos baús medievais as denúncias contra as feiticeiras. Hoje há um consenso de que nenhum argumento, nenhuma apelação legítima livrará Dilma do impeachment. As mobilizações organizadas e as pressões internacionais não terão força contra a condenação institucional. Até porque as instituições políticas não têm nada a ver com manifestações populares, somente quando lhes interessa, e manifestações populares comandadas pela sociedade civil organizada nunca assustaram o poder institucional, muito menos quando exercido por corruptos notórios. As pressões internacionais são pontuais e passageiras e organizarão o seu apoio posterior em função de vantagens que já desfrutam e que tendem a aumentar.

Restam apenas a geração mais jovem e as futuras gerações que têm a mania de rever a história e de revolver o solo pantanoso em que estarão mergulhadas. Pode ser então que ainda lhes reste tempo de revitalizar as raízes de projetos de uma sociedade menos injusta e que consigam transformações sérias. A imagem de Dilma queimada injustamente pode voltar então como emblema de luta. Até porque entre os poderes tenebrosos, algumas bruxas tinham a capacidade de ressuscitar.


Um comentário: