Às terças-feiras, à tardinha, meu coração rejuvenesce no coração sempre jovem de Mãe Silícia. Café fumegante, pão com ovo frito e partilha de silêncios e palavras que virão no momento azado, de vez em quando mais uma história de Jesus.
No milagre da religiosidade popular esse Jesus bíblico se torna Jesus mítico, figura nordestina, passeante sozinho ou com alguns de seus discípulos por fazendas, vivendas e cidadezinhas de interior, distribuindo bênçãos, lições e atitudes que vão transmitindo valores que ajudaram a formar a consciência ética de nosso povo.
Não sei a custas de que, falei que sentei em uma pedra no caminho para cá e Mãe Silícia alertou: – “Cuidado que as pedras podem ser porosas...” – E eu, já quase escolado, só fiquei esperando pelo que viria e veio. Veio história de Jesus. Mais uma dessas tantas que Mãe Silícia parecia conhecer, verdadeira biblista de Bíblia oral, passada de pai para filho, de comadre para comadre, evangelho inesgotável de uma sabedoria de vida que nunca tem fim.
Contou que Pedro, infatigável companheiro das peregrinações de Jesus pelo Nordeste, estava muito cansado e correu para sentar em uma grande pedra à beira do caminho e Jesus lhe impediu. – “Não, Pedro, a pedra está porosa...” Imediatamente, pingou uma gotinha de nada de água e a enorme pedra se esfarelou diante da estupefação de Pedro. Então, Jesus explicou que a pedra havia ficado assim porque um “tisgo” havia sentado em cima.
Ora, há todo um preconceito popular embutido nessa história. “Tisgo” era o modo como o sertanejo chamava o “tísico”, o tuberculoso, o portador da doença contagiosa mortal da época, equivalente aos soro-positivos de HIV de hoje. Mas, ao mesmo tempo, há possibilidades de lições que eu fico pensando, pensando, até extrair idéias. Como sempre, Mãe Silícia não explica nada.
O trocadilho entre Pedro e pedra também é bíblico e se refere à Igreja. Pedro deveria ser a pedra que carregaria a Igreja sobre os ombros, o que quer que isso signifique, e as disputas exegético-teológicas são muitas. Se somos pedras como Pedro, responsáveis por assegurar firmeza para a Igreja, muitas vezes somos pedras porosas, esfarelando diante da tempestade de um pingo dágua. O próprio Pedro foi pedra porosa negando Jesus não diante de Pilatos, mas de uma criada qualquer.
Sugestivo também é que os problemas das pedras sejam as doenças humanas. O ser humano é o contaminador do universo, o predador do planeta, destruindo com suas doenças a força estrutural da pedra. As doenças humanas são tão contagiosas que fazem adoecer as pedras.
Um texto bíblico, na carta aos Romanos, afirma que toda a criação geme, aguardando a redenção, e talvez gema pelas dores causadas pelos seres humanos. O planeta está próximo de um suspiro final, não por fragilidade própria, mas por ter as entranhas esfareladas pela doença do egoísmo e ambição desmedida dos seres humanos.
Admitir que as pedras podem ser porosas, é admitir que as aparências pujantes podem ocultar fragilidades e que a vida não tem toda essa garantia de consistência. Nem mesmo as pedras.
Se tudo é inconsistente, se as pedras podem ser porosas, se nós podemos ser frágeis, vamos assumir a nossa fragilidade e a fragilidade da vida, em um grande abraço de solidariedade, e vamos fazer o possível para nos livrar dessas doenças que nos adoecem e adoecem as pedras do planeta.
É...nem msm as pedras garantem consistência!
ResponderExcluirE eu pensava que sim!
rsrsrsrs
Pr. Marcos, tenho apresentado seus textos à um amigo meu que tem gostado muito. Quando vc vier na Cidade Sol quero apresentar vc a ele tá?
Bjs