quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

OLUZIVONE - A mulher que o papa sabia o nome



Marcos Monteiro

As mulheres nascem, crescem, criam uma teia de cuidados, morrem discretamente e deixam um enorme espaço vazio. É assim com Marisa, a mulher que se torna conhecida na morte, esposa de Lula, que todo mundo conhece, e é assim com Oluzivone, esposa de Djalma Torres, muito conhecido e que ganhou um prêmio de direitos humanos por ser do jeito que é. Oluzivone, pouca gente conhece, mas o papa sabe o seu nome.

Foi assim. Passando por Salvador, o papa João Paulo II convidou vários pastores e respectivas esposas para um encontro coloquial. Percorreu o grupo, inquirindo o nome de cada um e cada uma, mas parou encantado no nome de Oluzivone e pediu que o repetisse. Saiu então esfregando as mãos de contentamento e repetindo extasiado o nome. Oluzivone. O – lu – zi – vone.

Ela costumava contar, quando solicitada, essa história e o seu jeito de narrar a vida e de irromper nas discussões era um clarão de alegria e os nossos olhos brilhavam.

Como muitas mulheres, Vone teceu a sua teia de cuidados, na qual o pastor Djalma Torres era a figura principal. Adolescente, já partilhava de modo divertido com amigas que só casaria com o pastor Djalma Torres. Mas na sua tecelagem cabiam a mãe, irmãos e irmãs, filhos e filhas, netas e netos, e muita gente mais. Muitos nos sentimos acolhidos e acolhidas pela teia carinhosa de Oluzivone.

No espaço vazio da saudade tentamos reconstruir sua vida. Vídeos, áudios, fotografias, vestes, móveis, lugares, são indícios físicos de sua trajetória. Mas nada como a imaginação, essa capacidade de criar e recriar a qualquer momento e em qualquer lugar pessoas e acontecimentos.

A morte e a vida vivem um conluio interessante. Toda morte é violenta e injusta, mas não consegue a destruição. A vida cria as suas estratégias de continuar. Toda morte é injusta, mas a morte de algumas pessoas é devastadora e a morte de mulheres, de qualquer mulher, deveria ser ilegal. No entanto, como costuma dizer o próprio pastor Djalma, há um mistério na morte do qual nenhuma religião dá conta.

Então, eu gosto de imaginar a seguinte situação. João Paulo II repete constantemente no céu o nome de Oluzivone. E esfrega as mãos e os seus olhos brilham. Então sussurra no ouvido de Deus mais uma vez: O – lu – zi – vone. E o coração do Pai se enche de saudade e convida baixinho a sua filha: Oluzivone. E agora, João Paulo II, o papa que não esqueceu o seu nome, e Deus, conversam contentes com Oluzivone. Ela sorri alegre, mas continua lá de cima a cuidar de modo misterioso da teia que teceu aqui em baixo.

8 comentários:

  1. Como sempre, texto tecido com muita beleza e afeto!

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  2. A leveza no texto de um fato denso,
    Reflete a luz d’ alma de quem o escreve;
    Oh antitético existo logo penso!
    Só um poeta assim o descreve.
    Nilton Marinho para Marcos Monteiro sobre Oluzivone

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  3. Meu Deus!! Vone faleceu!!! E que delicadeza de texto, Marcos!!! Que o Pai acolha Djalma e toda a família!!

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  4. Marcos, agora lendo seu texto sobre minha mãe... Muito obrigado querido, ele espelha o que os meus olhos tambem enxergam! Muito obrigado!!!

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  5. Que Deus conforte os familiares e que nossa irmã em Cristo esteja bem nos braços do Pai. Pró Oluzivone era ímpar. Serena e amiga!Sentiremos sua falta!

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  6. adorei a forma como representou minha avó.

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  7. Texto forte e sensível, assim como Vone.

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