Marcos Monteiro
As mulheres nascem, crescem, criam uma teia de cuidados,
morrem discretamente e deixam um enorme espaço vazio. É assim com Marisa, a
mulher que se torna conhecida na morte, esposa de Lula, que todo mundo conhece,
e é assim com Oluzivone, esposa de Djalma Torres, muito conhecido e que ganhou
um prêmio de direitos humanos por ser do jeito que é. Oluzivone, pouca gente
conhece, mas o papa sabe o seu nome.
Foi assim. Passando por Salvador, o papa João Paulo II convidou
vários pastores e respectivas esposas para um encontro coloquial. Percorreu o
grupo, inquirindo o nome de cada um e cada uma, mas parou encantado no nome de
Oluzivone e pediu que o repetisse. Saiu então esfregando as mãos de
contentamento e repetindo extasiado o nome. Oluzivone. O – lu – zi – vone.
Ela costumava contar, quando solicitada, essa história e o
seu jeito de narrar a vida e de irromper nas discussões era um clarão de
alegria e os nossos olhos brilhavam.
Como muitas mulheres, Vone teceu a sua teia de cuidados, na
qual o pastor Djalma Torres era a figura principal. Adolescente, já partilhava
de modo divertido com amigas que só casaria com o pastor Djalma Torres. Mas na
sua tecelagem cabiam a mãe, irmãos e irmãs, filhos e filhas, netas e netos, e muita gente mais.
Muitos nos sentimos acolhidos e acolhidas pela teia carinhosa de Oluzivone.
No espaço vazio da saudade tentamos reconstruir sua vida.
Vídeos, áudios, fotografias, vestes, móveis, lugares, são indícios físicos de
sua trajetória. Mas nada como a imaginação, essa capacidade de criar e recriar
a qualquer momento e em qualquer lugar pessoas e acontecimentos.
A morte e a vida vivem um conluio interessante. Toda morte é
violenta e injusta, mas não consegue a destruição. A vida cria as suas
estratégias de continuar. Toda morte é injusta, mas a morte de algumas pessoas
é devastadora e a morte de mulheres, de qualquer mulher, deveria ser ilegal. No
entanto, como costuma dizer o próprio pastor Djalma, há um mistério na morte do
qual nenhuma religião dá conta.
Então, eu gosto de imaginar a seguinte situação. João Paulo II
repete constantemente no céu o nome de Oluzivone. E esfrega as mãos e os seus
olhos brilham. Então sussurra no ouvido de Deus mais uma vez: O – lu – zi –
vone. E o coração do Pai se enche de saudade e convida baixinho a sua filha:
Oluzivone. E agora, João Paulo II, o papa que não esqueceu o seu nome, e Deus,
conversam contentes com Oluzivone. Ela sorri alegre, mas continua lá de cima a
cuidar de modo misterioso da teia que teceu aqui em baixo.
Como sempre, texto tecido com muita beleza e afeto!
ResponderExcluirEncantador este texto , Marco Monteito.
ResponderExcluirA leveza no texto de um fato denso,
ResponderExcluirReflete a luz d’ alma de quem o escreve;
Oh antitético existo logo penso!
Só um poeta assim o descreve.
Nilton Marinho para Marcos Monteiro sobre Oluzivone
Meu Deus!! Vone faleceu!!! E que delicadeza de texto, Marcos!!! Que o Pai acolha Djalma e toda a família!!
ResponderExcluirMarcos, agora lendo seu texto sobre minha mãe... Muito obrigado querido, ele espelha o que os meus olhos tambem enxergam! Muito obrigado!!!
ResponderExcluirQue Deus conforte os familiares e que nossa irmã em Cristo esteja bem nos braços do Pai. Pró Oluzivone era ímpar. Serena e amiga!Sentiremos sua falta!
ResponderExcluiradorei a forma como representou minha avó.
ResponderExcluirTexto forte e sensível, assim como Vone.
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