Sou contra o impeachment de Dilma,
porque sou contra a quebra das regras do jogo no andamento da partida por motivos
desonestos. Gostaria de fazer oposição ao governo Dilma como fiz ao governo
Lula, sempre em nome de um projeto mais radical. Em tempo, é bom lembrar que as
palavras fazem parte do embate político e a palavra “radical” foi sequestrada
de seu significado motriz de “raiz” para banalizar atitudes, às vezes
sectárias. Novamente, até mesmo a palavra “sectário” nos remete também à seta,
em que a precisão da flecha ao atingir o alvo pode ferir o coração do predador
que nos ameaça. Portanto, requisito o meu direito de ser radical e até sectário
se necessário for.
Mas me recuso veementemente a
fazer oposição a Dilma em nome e na companhia dessa oposição.
Contra alguns dos meus mais caros
amigos e admiráveis militantes, ainda acho que o projeto atual do governo é
neo-liberal, com alguns ajustes chamados de desenvolvimentistas e com o
retardamento da minimização do estado. E concordo até que é o melhor projeto
que o Brasil já teve até agora. Mas ainda é pouco para as minhas esperanças. Também
não creio que o neo-liberalismo é um caminho econômico, tipo de escolha livre
que um governo pode ou deve fazer entre outras opções. Acho que o
neo-liberalismo é o nome da pressão sistêmica atual dos interesses
internacionais que encontram ressonância
na vida nacional. Posso até escolher o prato, mas o cardápio já está pronto e
recusá-lo é enfrentar consequências grandes demais.
Então, voltemos à raiz dos
problemas e façamos análises radicais. A corrupção não é o novo problema do
país, o qual surgiu do nada trazido por políticos e partidos. A corrupção é
estrutural e endêmica e o motor do sistema capitalista, atual modo de ser da
sociedade de interesses, na história da sociedade ocidental. Desinteressar a
sociedade, no mais puro sentido de Lévinas, é tarefa imensa, utopia que só pode
ser realizada por coletivos, nunca por indivíduos isolados. A fragmentação e
atomização da sociedade atual conclama a atitudes cooperativas que não estão
disponíveis nos manuais.
Quando definimos como
neo-capitalismo o sistema político-econômico do mundo atual, o apelo a um
neo-socialismo como crítica do capitalismo multifacetado em que nos movemos,
seria a flecha que procura o coração do predador e aí, precisaríamos ser, além
de radicais, sectários. Distender o arco, lançar a flecha e acertar o alvo
requer coragem, habilidade e confiança no enfrentamento de um arcabouço
tecnológico de proporções imensas. Jeito assim de repetir o lançamento da pedra
de Davi contra a armadura cibernética de Golias.
Claro que a coisa se complicou
muito porque Golias se tornou cristão, católico, evangélico e neo-pentecostal, e a
religião joga o jogo do poder pelo poder e abençoa o predador. Hoje, jogar uma
flecha no coração do sistema capitalista equivale a lutar contra Deus. A
acusação de Gândhi de que o ocidente não é cristão, mas adora a Mamom é mais
procedente do que nunca.
Nesse sistema em que nos movemos,
a democracia representativa não nos representa, porque o executivo não executa
na direção dos interesses do povo, o legislativo legisla contra as minorias organizadas e contra a maioria de trabalhadores que o elegeu e o judiciário
não nos inspira justiça. Não confiamos mais em nenhum partido, não acreditamos
em nenhuma instituição (até o nosso futebol anda meio desacreditado) e
esperamos sempre por um novo messias, como se a atitude messiânica não fosse um
papel a ser jogado pelo ator de plantão, descartável na próxima novela.
A guerra que acontece nos meios de
comunicação, especialmente na comunicação virtual, não ultrapassa, infelizmente, os limites do sistema e a ética tem
de ser definida de modo tênue, diante de frágeis decisões. Decidir entre o ruim
e o pior nunca é fácil nem confortável. Apesar de tudo, algumas decisões podem
ser trágicas e causar mais males desnecessários do que outras e o impeachment
de Dilma ou um país governado pelos críticos de plantão, de olho na presidência,
parece-me uma hecatombe final. Humildemente, diante do inferno ainda prefiro o
purgatório. Claro que ainda acredito no paraíso, mas parece-me que grupos,
associações e movimentos precisariam urgente juntar pedras e flechas e se
unirem corajosamente contra o predador.
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