segunda-feira, 28 de março de 2016

Eu só queria mesmo que alguém liderasse o impeachment do capitalismo.

independenciasulamericana

Sou contra o impeachment de Dilma, porque sou contra a quebra das regras do jogo no andamento da partida por motivos desonestos. Gostaria de fazer oposição ao governo Dilma como fiz ao governo Lula, sempre em nome de um projeto mais radical. Em tempo, é bom lembrar que as palavras fazem parte do embate político e a palavra “radical” foi sequestrada de seu significado motriz de “raiz” para banalizar atitudes, às vezes sectárias. Novamente, até mesmo a palavra “sectário” nos remete também à seta, em que a precisão da flecha ao atingir o alvo pode ferir o coração do predador que nos ameaça. Portanto, requisito o meu direito de ser radical e até sectário se necessário for.

Mas me recuso veementemente a fazer oposição a Dilma em nome e na companhia dessa oposição.

Contra alguns dos meus mais caros amigos e admiráveis militantes, ainda acho que o projeto atual do governo é neo-liberal, com alguns ajustes chamados de desenvolvimentistas e com o retardamento da minimização do estado. E concordo até que é o melhor projeto que o Brasil já teve até agora. Mas ainda é pouco para as minhas esperanças. Também não creio que o neo-liberalismo é um caminho econômico, tipo de escolha livre que um governo pode ou deve fazer entre outras opções. Acho que o neo-liberalismo é o nome da pressão sistêmica atual dos interesses internacionais  que encontram ressonância na vida nacional. Posso até escolher o prato, mas o cardápio já está pronto e recusá-lo é enfrentar consequências grandes demais.

Então, voltemos à raiz dos problemas e façamos análises radicais. A corrupção não é o novo problema do país, o qual surgiu do nada trazido por políticos e partidos. A corrupção é estrutural e endêmica e o motor do sistema capitalista, atual modo de ser da sociedade de interesses, na história da sociedade ocidental. Desinteressar a sociedade, no mais puro sentido de Lévinas, é tarefa imensa, utopia que só pode ser realizada por coletivos, nunca por indivíduos isolados. A fragmentação e atomização da sociedade atual conclama a atitudes cooperativas que não estão disponíveis nos manuais.

Quando definimos como neo-capitalismo o sistema político-econômico do mundo atual, o apelo a um neo-socialismo como crítica do capitalismo multifacetado em que nos movemos, seria a flecha que procura o coração do predador e aí, precisaríamos ser, além de radicais, sectários. Distender o arco, lançar a flecha e acertar o alvo requer coragem, habilidade e confiança no enfrentamento de um arcabouço tecnológico de proporções imensas. Jeito assim de repetir o lançamento da pedra de Davi contra a armadura cibernética de Golias.

Claro que a coisa se complicou muito porque Golias se tornou cristão, católico, evangélico e neo-pentecostal, e a religião joga o jogo do poder pelo poder e abençoa o predador. Hoje, jogar uma flecha no coração do sistema capitalista equivale a lutar contra Deus. A acusação de Gândhi de que o ocidente não é cristão, mas adora a Mamom é mais procedente do que nunca.

Nesse sistema em que nos movemos, a democracia representativa não nos representa, porque o executivo não executa na direção dos interesses do povo, o legislativo legisla contra as minorias organizadas e contra a maioria de trabalhadores que o elegeu e o judiciário não nos inspira justiça. Não confiamos mais em nenhum partido, não acreditamos em nenhuma instituição (até o nosso futebol anda meio desacreditado) e esperamos sempre por um novo messias, como se a atitude messiânica não fosse um papel a ser jogado pelo ator de plantão, descartável na próxima novela.

A guerra que acontece nos meios de comunicação, especialmente na comunicação virtual, não ultrapassa, infelizmente, os limites do sistema e a ética tem de ser definida de modo tênue, diante de frágeis decisões. Decidir entre o ruim e o pior nunca é fácil nem confortável. Apesar de tudo, algumas decisões podem ser trágicas e causar mais males desnecessários do que outras e o impeachment de Dilma ou um país governado pelos críticos de plantão, de olho na presidência, parece-me uma hecatombe final. Humildemente, diante do inferno ainda prefiro o purgatório. Claro que ainda acredito no paraíso, mas parece-me que grupos, associações e movimentos precisariam urgente juntar pedras e flechas e se unirem corajosamente contra o predador.



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