Quando terminou a votação, a Igreja encerrou um longo
processo deliberativo e abriu um longo caminho de reflexão. Participamos
exultantes da alegria dos irmãos e irmãs homossexuais da Igreja Batista do
Pinheiro, que finalmente poderão ser batizados, e sabemos o que isso significa
para milhares de cristãos, dentro das igrejas ou fora delas, formalmente
libertados de um estigma. Porque a questão era nimiamente formal e
institucional: a assembleia tinha o poder de proibir os irmãos ou irmãs de
serem batizadas, mas não poderia proibi-los de crer em Jesus Cristo e de amar a
Deus. Em outras palavras, por mais forte que seja, a instituição não tem
controle sobre a subjetividade, e a liberdade de crer só pode ser cerceada
formalmente.
A história é um livro de diversos gêneros literários e a
assembleia extraordinária de 28 de fevereiro de 2016 tem um quê de lirismo,
típico final feliz de uma trama novelesca que se desenvolveu por dez anos.
Tantas lutas de tantos nomes, incluindo o do pastor Wellington e da pastora Odja,
sempre intensamente envolvidos em pautas de busca por um mundo menos injusto e
mais igualitário. As canções que cabem nesse momento são hinos de celebração
com refrões que convidam a uma ação responsável e consistente.
Todo final feliz encerra períodos de dores e de alegrias, de
avanços e recuos, de sentimentos de desânimo e de esperança. Na densidade dos
acontecimentos, pessoas vão mostrando faces desconhecidas, súbitas irrupções de
atitudes nunca esperadas, causando conflitos talvez desnecessários. Do mesmo
modo, outras vão crescendo e se descobrindo como capazes de inesperada
generosidade e da capacidade de repensar valores calcificados, pedras duras
usadas como armas de agressão sobre vítimas diversas, abrindo-se pouco a pouco
para a ternura do abraço acolhedor.
Mas todo final feliz é um novo começo de lutas e todo
encerramento de pauta é um convite para outras mais. A história da Igreja
Batista do Pinheiro torna-se lugar de pelo menos três questões históricas que
precisam ser encaradas com determinação. A questão ética, em que a sexualidade
ocupa lugar proeminente, a questão teológica, com a Bíblia precisando de acesso
hermenêutico menos danoso, e a questão eclesiológica, tendo em vista os
processos administrativos de inclusão ou exclusão.
No âmbito eclesiológico, a Igreja do Pinheiro agiu como
igreja local, na tradição batista, em um processo lento mas eficaz, com todas
as prerrogativas democráticas respeitadas. Uma decisão de tal teor, tomada por
uma comunidade consciente e comprometida, desautoriza autoritarismos
manipuladores, como também desmascara desculpas acomodadas de líderes que não
se dispõem a gastar energia e tempo necessários na direção de mudanças
importantes.
Investir em teologia é investir com todo o vigor em estudo
bíblico. Isso significa também esforço intelectual e coragem moral para dentro
de uma espiritualidade séria admitir e enfrentar os problemas advindos da
leitura dos textos. Todo fundamentalismo é demoníaco por não ter compromisso
nenhum com a verdade que defende. Não querer encarar as questões teológicas não
é sinônimo de piedade, quase sempre interesses outros, alguns muito escusos,
regem a forma como se interpreta a Bíblia. Raramente a seleção de textos segue
os mesmos critérios diante de diversas circunstâncias.
Finalmente, a questão ética, de uma complexidade
inesgotável, parece sempre desembocar na questão da sexualidade. Teoricamente
consideramos outros valores como maiores, mas na prática cotidiana e
especialmente na prática religiosa, a sexualidade tem um poder de atração
irresistível. A decisão da Igreja Batista propõe implicitamente a sexualidade
como um direito humano e admite a diversidade com que o amor se apresenta na
experiência humana. Batizar um homossexual, assumido como tal, é reconhecer-lhe
todos os direitos eclesiásticos e administrativos, como votar e ser votado.
Na tradição batista isso significa muito mais do que podemos
imaginar. Com o batismo, ele deixa de ser um cristão de segunda categoria,
podendo agora ser visto apenas a partir de sua contribuição pessoal para os
destinos e propósitos da comunidade à qual pertence. Pode ocupar qualquer cargo
eletivo, para exercer funções que a igreja requeira. Na tradição batista, isso
significa o direito de ser zelador, ministro de música, ou pastor, se a igreja
assim o quiser. Cumpridos os requisitos, ninguém poderá questionar a sua vida
amorosa ou sexual, será eleito por motivos maiores, habilidade funcional,
afetividade nos relacionamentos com os irmãos e irmãs, compromissos com o Reino
de Deus, com a oração e com o estudo da Bíblia. Esses são os grandes valores
para uma igreja; todo mundo sabe, mas age como se não soubesse.
Quando a igreja trilha o Caminho estreito do amor, questões que pareciam relevantes se tornam obsoletas.
ResponderExcluirParabéns por saberem olhar para o indivíduo por trás da sua sexualidade.