quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

FELIZ NATAL NOVO



Marcos Monteiro*

Estamos às vésperas da festa de Ano Novo, mas cada ano recomeça de verdade no Carnaval, faz sua travessia pela Páscoa e termina no Natal. Peregrinação simbólica que se inaugura como euforia nacional, caminha para uma interioridade mística, espécie de Via Crucis, e se encerra como oportunidade de reflexão, na ambiguidade do chamado espírito natalino, entre o consumismo e a solidariedade.

Festa tem sempre jeito de suspensão do tempo, intervalo para mergulho em diversas profundidades, possibilidade de reconstrução de mundos na reconstrução das relações e da nossa humanidade. Como seres históricos e construtos de relações, estamos sempre caminhando para o futuro em contato com pessoas, com a sociedade, com o planeta e com o mistério de uma transcendência que aponta sempre para uma superação. No intervalo da vida que chamamos de festa, brota dentro de nós um apelo difícil de definir que pode até redefinir rumos. Por outro lado, a festa nunca é um lugar totalmente neutro, as representações sociais e as contradições humanas também cantam e dançam. Festa, portanto, pode ser anúncio de possibilidades e denúncia de contradições.

Nessa direção a festa do Natal, sempre festa de encerramento de cada ano, se fragmenta em um sem-número de festas, comemorações em que quase sempre comida, bebida, conversa e alegria comparecem. Famílias que se reúnem e escondem atritos e diferenças dentro do fogão, enquanto assam o peru. Empresas que reúnem gerentes e funcionários para vestirem a mesma camisa, a camisa da empresa, e guardam a roupa suja para lavar depois. Igrejas que celebram um Natal tão bonito, com sermões tão edificantes e cânticos de tanta fraternidade que as diferenças e os preconceitos desaparecem como um milagre.

Das muitas festas de Natal de que participei neste ano, duas foram bem marcantes. Dia vinte e cinco de dezembro na Primeira Igreja Batista em Bultrins, Olinda, e dia dezenove, um Natal antecipado, na Praça Deodoro em Maceió, com a população de rua, promovido pela “Cristolândia”.

Em Bultrins, a festa foi culto, celebração sagrada de trabalhadores e de pessoas que moram em favelas dos arredores. Não são muitos os de classe média que frequentam aquela igreja, mas se alguém quiser aprender mais sobre solidariedade precisa passar por ali. De alguma forma, Natal ali é mais Natal e o encerramento por aquela orquestra de crianças trouxe canções de esperança para quem quisesse ouvir. A orquestra do Alto da Mina reúne mais de trinta crianças aprendendo a tocar violino. O maestro, Israel de França, está em Recife, licenciado de sua orquestra na Espanha, e se encanta e se emociona ensinando às crianças os primeiros passos da técnica musical. Alto da Mina é uma das favelas próximas. Ali um grupo de pessoas da Igreja, lideradas pela pastora Vana e pelo pastor Paulo César, realizam uma série de atividades que ajudam a transformar o lugar em um espaço melhor.

Mas foi a festa da Praça Deodoro, no dia dezenove de dezembro, Natal com a população de rua, que me trouxe mais emoções e provocou imagens de mundos possíveis e impossíveis. Também festa em forma de culto. A praça estava iluminada e a população de rua se sentava às mesas ou circulava à vontade. Fomos convidados por Alain e Wanessa que lideram o projeto Cristolândia na cidade de Maceió. Depois de muitos cânticos evangélicos e de uma rápida palavra, o jantar foi servido e o povo de rua era quem recebia nas suas mesas o alimento farto e bem feito.

De algum modo misterioso, a festa era o encontro de grupos que se encontram em relação complexa na sociedade: o povo da igreja, o povo da sociedade e o povo da rua. Esse último é o grupo de excluídos que não transitam facilmente nem pela igreja nem pela sociedade. Na festa que era culto, eles eram três imagens diferentes do mesmo Deus. Quem convive há tempo com a população de rua sabe que muitos já passaram por igrejas e centros de recuperação religiosos e que carregam de algum modo uma relação diferente com Deus, mas nunca conseguem se enquadrar. Alain me apresentou um jovem simpático que recebeu nome de homem, mas que inventou para si um nome de mulher, um travesti. Na rua e naquela festa ele/ela podia ser do jeito que gosta.

Entre o consumismo, representado por Papai Noel, e a solidariedade, lembrada pelo nascimento de Jesus, os natais nos convidam a avaliar o ano que passou e que todos sabemos que foi um ano complicado. Mas um novo ano começa agora e caminhará pelas suas festas, Carnaval, Páscoa e Natal. Que no próximo Natal possamos ter a multiplicação de festas que celebrem e potencializem mais cidadania, mais inclusão social e mais fraternidade. Que o espírito natalino do próximo ano desperte um sorriso maior no rosto do menino Jesus.


Para todas e para todos, um Mais Feliz Natal Para o Próximo Ano Novo!

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