sexta-feira, 3 de setembro de 2010

DAS TRAGÉDIAS RIDICULAS E DAS COMÉDIAS TRÁGICAS

Marcos Monteiro*

Não consigo evitar a sensação de tédio diante dessa eleição. De antemão imaginava que a questão seria apenas essa: se haveria um segundo turno. Hoje, sem nenhuma vontade de ouvir os discursos de Serra por mais um mês, aguardo apenas o resultado das urnas que confirmem a continuidade desse governo (que admito teve muitos pontos positivos e alguns senões). A possibilidade de um segundo turno mais interessante, entre Dilma e Plínio, por exemplo, parece estar totalmente descartada.

Fico pensando sobre a Atenas clássica, onde dois mestres, Platão e Isócrates, disputavam a formação do homem público, entre a retórica e a dialética. A arte da persuasão, a capacidade de manejar a palavra para formar a opinião pode ser um exercício vazio, o convencimento pelo convencimento, ou um compromisso filosófico, desejo de que juntos nos aproximemos da verdade.

Os discursos do período eleitoral (não somente do horário gratuito) parecem estar dentro de outra lógica, muito mais próxima do velho sofisma. A palavra passa a ser cinzel disposto a tratar a nossa consciência como bloco de mármore. Nos jogos de interesses e na ausência de algum sentimento estético por parte dos candidatos a artistas, corremos o risco de, além de não nos transformar em obra de arte, termos a esperança deformada irreversivelmente.

Aliás, as falas e as manobras dos candidatos estão mais próximas dessa outra arte, o teatro, com tentativas de enredo cujo resultado é bisonho. A dramaturgia tucana, por exemplo, em uma semana tenta demonstrar intimidade com o presidente, suposto adversário, na outra semana, gesto teatral duvidoso, propõe impugnação da candidatura da principal adversária. A mídia faz coro e puxa a claque, mas o público não reage.

Se sempre há suspeitas diante de qualquer discurso (e nesses períodos os discursos são mais interessados do que nunca), há sempre uma resistência própria do sentido das palavras e uma resistência na consciência das pessoas, nem sempre dispostas a serem manipuladas. Mas, ainda há espaços para mais manobras teatrais. O que não conseguimos nunca decidir é diante de que gênero de espetáculo estamos postos.

A tragédia sempre pretende colocar os atores humanos acima da própria humanidade e a comédia tem o dever de revelar o ridículo e a pequenez que toda alma carrega consigo. O melhor de nós mesmos talvez sejam esses lados risíveis que insistimos em esconder. Mas a dramaturgia eleitoral nos deixa confuso. As ações pomposas e os pronunciamentos retumbantes nos levam às gargalhadas; as situações desajeitadas e os discursos dissonantes, próprios das comédias, podem nos levar às lágrimas.

Enquanto não decidimos sobre essas coisas, já decididos quanto aos candidatos e candidatas, desligamos a televisão do horário eleitoral e esperamos pelo futebol que compreendemos melhor.

Recife, 03 de setembro de 2010

*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também é coordenador do Portal da Vida e faz parte das diretorias do Centro de Ética Social Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055. Veja esse texto também no blog www.informativo-portal.blogspot.com

Um comentário:

  1. Não sinto tédio mas um certo desencanto, como se os sonhos de que alguma coisa nova possa acontecer morressem. E o "circo", ou o "teatro" como vc diz, de todos os candidatos representando um papel criado pelos publicitários me fazem preplexa. E eu que não entendo mto de futebol.... vou dormir.

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