segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Da Usina Catende para a Europa

Caçula chegou da Usina Catende e passou logo a jogar no Maravila F.C, ponta esquerda que encerrava o ataque daquele time mítico, o melhor time de todos os tempos, ao lado de Biu do Efeito, Rapaz e Roído, como nos conta sempre Seu Madeira.

Mas só conseguia jogar descalço e tinha um canhão nos pés que só perdia para Biuzão. Com chuteiras só chutava cafofa e nem passe curto conseguia acertar. Tanto pediu, tanto implorou que a Liga o liberou para jogar sem o calçado obrigatório. Somente ele, circunstâncias especiais, e ninguém mais.

Quando Biuzão não se interessava ele batia a falta de longa distância e o goleiro que se esforçasse para defender. Só cobrava escanteio direto, apontando para a primeira quina da trave, e cansou de fazer gol olímpico ou de acertar o travessão com força, assim. Mais do que isso, era incansável na marcação do zagueiro, naqueles tempos em que atacante só fazia atacar. Também se infiltrava velozmente de surpresa pelo meio, ou ajudava a compor o meio campo, nos tempos em que ponta só corria pelas extremidades. Portanto, comentava Seu Madeira para uma platéia bem atenta, ele foi o primeiro jogador moderno da história do futebol.

O nome verdadeiro de Caçula era Aparício Desivaldo da Conceição e tinha o apelido porque era mesmo o caçula entre vinte e três irmãos, todos homens. Seu Madeira garante que foi morar na Vila Maravila porque, sendo o mais novo, sobrava na escalação dos dois times da família que viviam se combatendo entre si, todo o mundo jogando descalço e todo o mundo bom de bola, como o próprio Caçula explicava.

Era muito bom de bola e muito bom de conversa, desses capazes de convencer juiz de inverter pênalti para a outra área. Quando saía do vestiário, botava perfume, brilhantina no cabelo, calçava um sapato brilhoso e partia para jogar conversa nos ouvidos das meninas. Nesse jogo, sempre metia a bola na rede, nunca ficava no travessão, mesmo que antes precisasse driblar vigilância dos zagueiros de plantão, familiares da bela e agraciada vítima.

Toda semana trocava de namorada, mas numa boa, sem nunca deixar de alimentar amizade. Era que – confessava a Elielson, seu costumeiro confidente – se apaixonava fácil e desapaixonava mais fácil ainda. Então, procurava a menina e dizia mais ou menos assim: – Você me fez feliz demais, mas num ta dando... a amizade continua e precisando de mim ou se a saudade apertar basta um assovio que compareço... Você é maravilhosa e eu sou maravilhoso, a gente trilha os caminhos que a vida continua sendo vida...

Isso foi indo assim até que se enganchou em Vanielda, com quem teve um namoro fogoso por mais de quatro meses. Terminou no dia em que Vanielda chegou e falou mais ou menos assim: – Você é ótimo e eu sou ótima, mas não dá mais e a amizade continua... Se precisar muito de mim e não agüentar mais a saudade, é somente chamar que compareço...

Caçula entrou numa tristeza que lhe tirava a vontade de jogar, nem bola nem conversa.

Então começou uma mania de grandeza que nunca mais parou. Na base da conversa conseguiu que o Sport fosse jogar no campinho com o Maravila F. C. O jogo terminou empate e, por isso, nem o Náutico nem o Santa Cruz tiveram coragem de aceitar convite para um amistoso ou para participar de um pequeno torneio entre times de subúrbio. Mas a desculpa que deram foi a falta de um estádio.

Ora, Caçula queria chegar a disputar o campeonato brasileiro para ser um dia campeão mundial, confessava para quem quisesse ouvir, e começou a arquitetar duas coisas: a construção do estádio e a sua candidatura para vereador. Como vereador iria lutar para construir o estádio, mas pensava depois em ser prefeito e governador. Seu sonho mesmo, porém, era ser presidente. Seu Madeira comentava que ele continuava jogando com os pés no chão, mas tinha agora a cabeça nas nuvens.

Só se sabe que, usando toda a sua lábia, partiu com coragem para tentar se eleger vereador, organizando, sempre na base da conversa, sua equipe de trabalho e de militância.

Quase conseguiu se eleger. Somente a equipe de 54 ex-namoradas conseguiu mais de mil e quinhentos votos e muita gente boa chegou a fazer boca-de-urna em seu favor. O problema é que precisava de exatos 3014 votos e conseguiu 3012, perdeu por falta de dois votos e, desse dia em diante ninguém mais ouviu falar de Caçula ou de Aparício Desivaldo da Conceição. Desapareceu por aí pelo mundo, sem ninguém conseguir até hoje lhe encontrar ou saber notícias.

Bem, Elielson, seu confidente, diz que foi procurado por ele que explicou que no dia da votação foi tomado por um fogo e procurou por Vanielda, por quem ainda ardia. Vanielda compareceu, como prometera, e os dois atearam um incêndio de paixão que ninguém conseguia apagar e perderam a hora da votação. Foram os dois votos que faltaram para ser eleito.

Caçula teria dito ainda que ia para a Europa com Vanielda. Na Europa se compra e se vende de tudo, soube, até um dia ser presidente e construir um estádio de futebol.

Como a lenda se formou não se pode dizer ao certo, mas tudo isso faz parte. Aparício foi para Europa com Vanielda que, todo mundo da Vila garante, se separou dele e se tornou uma grande estrela de cinema em Hollyhood. Ele comprou jogador, vendeu jogador, comprou time, vendeu time, até que um dia comprou uma ilha.

Como dono da ilha tornou-se finalmente Presidente da República e construiu o seu estádio de futebol. A ilha, na verdade teria menos de dois mil habitantes. Mas o estádio não, pois Aparício, que mudou de nome, não mudou de mania de grandeza. É um estádio para mais de setenta mil pessoas. Dizem que escreveu uma carta convidando o Maravila F. C para jogar lá, mas essa carta nunca chegou.

Um comentário:

  1. O futebol é mágico, traz possibilidade de glória ou danação aos talentosos e alimenta sonhos de tantos adolescente brasileiros.

    Tão admirando sua fluência, o blog tem sempre um novo post. Hábitos de professor, de pensador, de inquieto.

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