terça-feira, 19 de março de 2019

PARA QUE NÃO SE REPITA


PARA QUE NÃO SE REPITA

Marcos Monteiro

O massacre de Suzano é infelizmente mais um momento da nossa história brasileira de horror, mais uma repetição de Auschwitz,com as peculiaridades de cada vez. Desencadeou uma onda de sofrimento e indignação que não consegue desmanchar,  re-estabelece correlações entre educação e barbárie e nos leva à consternação de que o processo educacional não conseguiu até agora construir uma democracia consistente.

O campo de concentração Auschwitz, na Alemanha, foi um efeito colateral do nazismo, o qual se tornou na nossa história ocidental a parábola central perversa da capacidade de perversão da humanidade. Então, os acontecimentos de Suzano nos trazem a frase de Adorno “para a educação, a exigência que Auschwitz não se repita é primordial” (ADORNO. Theodor W. Sociologia. São Paulo:  Ática,  1994, p. 33).

Mas Auschwitz se repetiu e ainda se repetirá em micros e macros espaços. Podemos dizer que Theodor Adorno desenvolve a teoria crítica da sociedade.  Chocado com o nazismo, se torna um observador dos processos que geram a civilização, um crítico repetitivo da sociedade capitalista, atendo-se primeiro às micro construções, aos pequenos gestos, carregados de significado e de momentos emblemáticos.

Antes e durante os campos de extermínio, a sociedade alemã fora ocupada pelo gesto do braço levantado, em submissão absoluta ao líder e à sua sanha delirante de poder. Aqui, o gesto de uma mão que imita arma de fogo se tornou símbolo irracional de campanha presidencial e Suzano se transformou no prolongamento do gesto, concretização do símbolo violento, sangue inocente derramado que questiona a inocência dos gestos.

Depois do nazismo, a educação autoritária entrou em colapso e a proposta de uma formação que gerasse um espaço de autonomia, de reflexão crítica, que estabelecesse um suspiro entre a ordem de comando e a obediência cega, entre os gestos e as atitudes, entre os signos e os reflexos delirantes, começou a tomar forma. Não é à toa que a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire se torna um nome para a Pedagogia da Autonomia, defendendo um processo de conscientização participativa, longe da sloganização e dos signos massificadores.

Por isso, esse combate obsessivo em terras brasileiras a Paulo Freire torna-se sintoma preocupante, acompanhado de outras instâncias em que o autoritarismo, o moralismo, o dogmatismo, se estabelecem enquanto caminhos de solidificação de um sistema gerador de desigualdades, facilitador de violências. Mais uma vez é o capitalismo que se encontra em cheque, contradições insustentáveis encobertas por uma espetacularização da sociedade e do ser humano.

Qualquer análise mais acurada nos mostra que a pedagogia de Paulo Freire nunca se estabeleceu em sua potencialidade crítica na educação brasileira. A autonomia, o processo de passagem de uma situação de paciente a agente social, não interessa à sociedade em que as hierarquias se multiplicam e o autômato é muito mais eficiente à sua manutenção.

Então, o momento vivido atualmente e nos anos recentes de nossa política eleitoral, precisa continuar sendo refletido em suas semelhanças e diferenças com outros. Precisamos insistir na reflexão sobre o nosso sistema educativo para que Eldorado não se repita, para que Carandiru não se repita, para que Candelária não se repita, para que Auschwitz não se repita, para que Suzano nunca se repita.

Recife, 19 de março de 2019.



Um comentário:

  1. Meu caro Marcos, obrigado pela profunda reflexão sobre o assunto. Tentando empurrar esse tema um pouco mais além, desconfio que uma profunda cultura da violência se enraizou em nosso tempo atual, independente até mesmo da sociedade em que vivemos. Ela existe tanto no Oriente como no Ocidente, e tantos entre os ditos "civilizados" como cá entre nós, míseros tupiniquins. A banalidade do mal tão bem descrita por Hannah Arendt contaminou completamente o tempo presente. Um problema talvez para além da própria educação.

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