Marcos Monteiro
Zaildinha
No seu aniversário eu quero reinventar a matemática e
informar que você completou seis e trinta anos, em vez de trinta e seis,
alterando a ordem para reiterar o dia em que comemorei seus seis anos de idade:
os trinta vieram de lambuja. Lembro de você todo dia, mas hoje lembrei o dia
todo. Quando acordei, quando almocei, quando caminhei e agora, enquanto escrevo,
seu jeito suave de menina peralta, com a alegria de brincar de viver e a mania de
criar e divulgar verdades.
Como eu sei que você gosta de inventar (não esqueço alguns
dos seus planos criativos), fico pensando se você poderia inventar um
aplicativo sutil que enviasse mensagens para serem sentidas. Então eu mandaria
uma com cheiro de pipoca, com gosto de alface e que lhe acolhesse no colo, como
tantas vezes. E quando eu escrevesse as palavras, viriam as imagens de você se
jogando nas ondas, as ondas lhe jogando na areia e você, pingo de gente
pingando água, meio sorrindo e meio se afogando, se jogando de novo no barulho
do mar.
Esse jogo de empurra-empurra você também fazia com o futebol
e era a menininha de seis anos, no meio de um pacote de meninos mais fortes, e
às vezes você jogava bola e outras vezes a bola jogava você, e às vezes fazia
gol e outras o gol lhe fazia. Mas você gostava de sorrir e de correr e também
de fazer sorrir e de fazer correr. Tem momentos que eu penso que esse é o seu
jeito de ser viva. Você empurra a vida e a vida lhe empurra e então você começa
a empurrar de novo.
Ou então, esse é o seu jeito musical de viver, porque música
e você sempre foram inseparáveis, amigas de todas as horas, caminho de interioridade
que nunca acabou. A música empurra você e você empurra a música, e as duas vão
correndo e sorrindo pela vida.
Hoje, você fez seis anos e trinta. Próximo ano, talvez eu
consiga que você faça sete e trinta, porque lembrança de quem a gente ama nunca
cabe em um aniversário ou em um texto. Lembrei de sua história de menina que
quase se afogou quando nasceu e lembrei de sua facilidade de acolher crianças
mal acolhidas. No meio da algazarra da criançada, você parava a sua e ia buscar
o menino tímido e fora de roda. Você também foi “salva das águas”, como Moisés,
mas não tem nome bíblico e não consegue completar mais de seis anos. Moisés
precisou de oitenta anos para libertar um povo, e eu desconfio que se eu
permitir que você chegue aos sete, você inventa uma revolução.
Lembrei que você foi me ensinando devagarinho a ser pai e um
dia eu aprendo, prometo, dentro dos meus seis e sessenta anos. E queria muito
aprender a lhe amar com a intensidade com que você ama. Se eu tivesse perto,
esse texto eu lhe entregava depois do almoço. Como estou distante, fico
imaginando um almoço surpresa que eu prepararia com um sorriso de quem está
fazendo traquinagem.
E na mesa tem uma panela de pipoca, uma tigela bem grande de
alface, um guisado de berinjela e um charuto de todo tipo para comermos juntos.
Para os desavisados, informamos que charuto é o nome da comida árabe que
saboreávamos e era uma grande panela repleta de couve, repolho, pimentão,
cebola, tomate, berinjela, todos recheados, e que você era capaz de comer
quente, frio ou gelado, e todo dia, se tivesse, e ainda levava para a escola,
como merenda.
A sobremesa seria um pote de jambo e depois, cantávamos
parabéns pra você e eu desejaria solenemente: Feliz aniversário, filha amada,
parabéns pelos seus seis e trinta anos.
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