sexta-feira, 5 de julho de 2013

UMA DEMOCRACIA CONFORTÁVEL

cybersociedade


*Marcos Monteiro

As profecias recorrentes sobre o fim do mundo têm sempre razão quando pensamos sobre finitude e totalidade. A vida, a sociedade humana, o planeta e até o cosmos terão um fim, nos garantem as evidências científicas. A vida é trágica, nos lembra Edgar Morin, a morte nos espera tanto no âmbito individual quanto no coletivo. Existir no tempo é ser-para-a-morte nos garante a filosofia, quando coloca em análise a existência.

Essa certeza futura pode ser colocada a serviço de nossas incertezas presentes mais próximas, oferecendo-nos a responsabilidade de dar sentido e densidade a cada um de nossos atos e a cada uma de nossas realizações. A vida passa a ser um convite à intensidade e à paixão, a viver plenamente tudo que vale a pena, transformando cada instante em mergulho na eternidade.

Por esse prisma, uma ética do provisório, se afigura como caminho inevitável para se viver melhor e as nossas instituições também finitas e provisórias precisam ser constantemente tensionadas para que cumpram a finalidade de dar sentido a uma vida que já nasce com a morte escrita em seu destinamento. A partir disso, precisamos pensar a nossa democracia atual.

O modelo de democracia representativa chega a esse momento histórico como hegemônico, diante do conjunto de experiências efetuadas ao longo da história. Nascida junto com a revolução liberal, saber se ela pode ser mantida dentro de outros modelos econômicos totais, um modelo socialista, por exemplo, é uma questão que não se tornou clara ainda.

Entretanto, o fortalecimento de nossas instituições democráticas não consegue esconder as suas fragilidades e contradições. Além da lentidão dos processos de institucionalização, a luta por interesses sempre prevalece e as regras do jogo são observadas em favor dos grupos que a jogam, especialmente grupos oligárquicos. O resultado é a constante turbulência em qualquer cenário político que se observe.

Essa democracia que vivemos é confortável para o poder e desconfortável para o direito. A exclusão política e social é subproduto natural desse modo de representação, estando os mecanismos de controle tão abaixo de suas possibilidades que o poder pode ser exercido com escassa vigilância. O interesse dos grupos representados na arena democrática contrasta com o desinteresse da população pelo próprio jogo e essa despolitização não é casual, mas proposta e aplicada pelos jogadores no poder.

Desse modo, ser político, não tem mais a ver com o “ser político”, com a nossa vocação humana básica e constitucional. Na desconfortável situação de desemprego estrutural, cada vez mais presente em todas as sociedades, a política tornou-se um excelente emprego, uma oportunidade de jogar um jogo de cartas marcadas e assegurar um futuro mais confortável, diante da tragédia da vida e da sociedade.
  
*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA e do grupo de pastores da Primeira Igreja Batista em Bultrins, Olinda, PE. Também faz parte da diretoria da Aliança de Batistas do Brasil e é membro da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil.
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055.


Um comentário:

  1. Quanto à patrimonialização da "coisa pública" acho que o pensamento de Sérgio Buarque de Holanda continua vivo no que diz respeito ao fato de que a elite política no Brasil não conseguiu incorporar à prática política a noção de impessoalidade. Ao assumir o poder privatiza-o em benefício próprio e limita substancialmente, quando não exclui, os meios de intervenção popular. Por isso precisamos continuar na luta. Um abraço.

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