sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O ABORTO DA POLÍTICA

Marcos Monteiro*

O segundo turno da campanha eleitoral nos oferece um diagnóstico do país e do processo político, que nos deixa meio consternados. A lembrança do tucanato e a diferença gritante entre as duas gestões de governo são os fatos concretos que me levam a votar em Dilma para presidente nessa reta final. Não acredito em soluções para o capitalismo e o Brasil está muito longe de ser um país sem graves problemas, mas o governo atual demonstrou que se pode caminhar, mesmo dentro das estreitas margens permitidas pelos processos de acumulação do capital, de modos menos danosos para a população, especialmente a mais pobre.

O mistério não tão misterioso da campanha é o motivo porque os dois candidatos escolhem temas menores, dentro do âmbito político, naturalmente, para convencer os seus eleitores de que são os candidatos mais apropriados para conduzir os processos políticos do país nesses próximos anos. Ninguém, em momento de lucidez, seria capaz de defender que o melhor presidente para a nação será aquele que for contra a união civil entre homossexuais e contra o aborto, ou o inverso. Até porque tais decisões serão parlamentares e judiciárias, não pertencendo ao âmbito do executivo. Este estará gerindo um gigantesco orçamento, priorizando medidas que atingem o cotidiano e a qualidade de vida do povo brasileiro.

A escolha do aborto como tema eleitoral é tentativa de provocar o aborto dos processos políticos, ou de escancarar para todos aquilo que já imaginávamos: o sistema de eleições e de escolha de candidatos que temos merece ser abortado.

A questão do aborto é muito mais complexa do que nos faz crer as afirmações de candidato e candidata, com um agravante. O drama de milhões de adolescentes e mulheres adultas que interromperam intencionalmente a sua gravidez está sendo usado como trampolim político. O que assistimos é à coisificação do aborto, estratégia de caçador de votos para um grande segmento religioso da população. O resultado é arriscar eleição pelos mecanismos costumeiros de propaganda comercial.

Por diversos motivos, sou a favor da mudança na legislação atual sobre o aborto, como também a favor de políticas públicas que se coloquem à disposição de mulheres em diversos tipos de crise, as quais as levam a decidir sobre a possibilidade do aborto. Também creio que devemos organizar amplas discussões e estudar outras legislações existentes. A nossa é muito antiga e fruto de diversos tipos de pressão. E não acredito que o país entrará em caos se mudarmos essa legislação. Muito pelo contrário. Mas também não creio que esse seja o urgente assunto que justifique uma eleição para presidente. As mudanças na lei do aborto ocorrerão ou não ocorrerão independentemente de quem seja o presidente ou, segundo o meu desejo, a presidente da república do Brasil, Dilma Rousseff.

Feira de Santana, 15 de outubro de 2010.

*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também faz parte das diretorias do Centro de Ética Social Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055. Veja esse texto também no blog www.informativo-portal.blogspot.com

4 comentários:

  1. Sua analise é pertinente, apostei no 2º turno para que fosse espaço de debate e nãe é o q tem sido feito. Serra pousando de bom moço na TV, as estatégicas criticas aos cronicos problemas

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  2. Quer saber de uma, o fato de Serra e Dilma acabarem dando maior valor a temas menores deve ser pelo fato do povo brasileiro gostar de uma polêmica, de preferir discutir e dar força a boatos e coisas supérfluas...Sou brasileira, amo meu país e meu povo, mas meu povo se compora de uma maneira burralda quando o assunto é politica e tenho medo disso.
    As vezes acho q sou uma aberração...kkk...Sou cristã, a favor da DESCRIMINALIZAÇÃO (coisa que o povo ainda confunde muiito, vide dicionário, pessoas!) e ainda a favor dos homossexuais.
    #prontofalei!
    Perfeito Marcos Monteiro!

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  3. Estou triste, chateado, com raiva e a esperança um pouco arranhada... Sabia que ainda estamos tateando, mas não imaginava que a democracia brasileira fosse esta coisa ridícula, que a cidadania fosse um projeto tão distante e que o analfabetismo político ainda estivesse tão generalizado. Educação para a cidadania urgente!!!
    Obrigado Marcos pelas constantes aulas de educação política, dentre tantas outras!

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  4. Estava mais do que na hora de um cabra corajoso abordar esse tipo de assunto entre nós! Ainda temos muito do caráter integralista dos anos 1920 no nosso cenário político... é o discurso político em nome da fé...é a fé em nome da política...são os "camisas verdes" do século XXI, e outras tantas facetas...É a utopia da democracia que vive esse país e o avanço das milícias religiosas e capitalistas.O mínimo que poderíamos desejar é um verdadeiro debate nacional real sobre a questão do aborto! Parabéns Marcos por levantar a discussão dessa temática tão séria e urgente! Um beijo!

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