segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A culpa de ser dono do mundo

Considerado por muitos como o poeta do forró, Petrúcio Amorim é compositor pernambucano de músicas com letras fascinantes e instigantes. Como de vez em quando eu separo músicas, poesias, histórias, notícias, para conversar com o pessoal da Vila Maravila, resolvi levar o forró “Dono do Mundo”, muito tocado, cujos últimos versos dizem assim:

“O desespero
no olhar de uma criança,
a humanidade
fecha os olhos prá não ver.
Televisão
de fantasia e violência
aumenta a fome
e cresce a sede de poder.
Boi com sede bebe lama
barriga seca não dá sono.
Eu não sou dono do mundo
mas tenho culpa
porque sou filho do dono.”

Partilhei a música gravada com diversas pessoas e grupos e recolhi pérolas como as seguintes.

– Criança é invisível, meu filho – Mãe Silícia comentou – ninguém vê nem de olhos abertos.

Como sempre me senti envergonhado e impactado, disposto a examinar minhas amizades com essas criaturinhas invisíveis e cheias de surpresas, esquecidas dos poderes públicos e tão mal cuidadas por todos nós.

Paranísio me garantiu que a cachaça é a lama e o boi é o povo, sedento de justiça. “A cachaça é a lama-de-áçucar com que o latifúndio encharca a consciência do bóia-fria”, me repetiu solenemente, naquele seu jeito próprio de jogar as frases de líder popular.

Os versos mais discutidos, entretanto, foram esses últimos: “Eu não sou dono do mundo, mas tenho culpa porque sou filho do dono”.

Uma enxurrada de acusações sobre religiosos que usam a sua posição para tirar vantagens pessoais; análises sobre a nossa participação na destruição do planeta; comentários de que todos somos filhos do dono, mas alguns se acham mais filhos do que outros; até algumas afoitas acusações sobre a culpabilidade de Deus, apareceram.

E eu saí meditando sobre essa eterna relação entre culpa e graça. A graça de termos um Pai nos coloca como responsáveis diante dEle pelo cuidado de toda a sua criação.

São muitos os adesivos em carros de último tipo dizendo: “Não sou dono do mundo, mas sou filho do dono”, rodando pelas estradas da vida uma espiritualidade e teologia irresponsáveis, sem nenhuma consideração para os que não podem comprar nem mesmo um adesivo.

Acrescentando a palavra culpa ao mote, de modo brilhante, Petrúcio Amorim nos convida, em ritmo de forró, a trocar essa teologia ufanista e acomodadora por uma teologia solidária. Quanto mais assumimos a nossa culpa e acumulamos ações concretas, grandes ou pequenas, na restauração do planeta, mais nos sentiremos filhos de nosso Pai, e mais entenderemos de sua graça.

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