quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Pelas veias do corpo

idança

O ser humano é um conjunto de textos embrulhado em peles. Pele é limiar entre um texto interno e textos externos, lugar em que as palavras brincam e causam arrepios.

Os textos que respiramos enchem o nosso pulmão de vida e fazem as palavras correr pelas veias até encherem o coração. No coração, as frases vão e vêm em ritmos irregulares, sístoles e diástoles de nossa existência.

Os seres humanos são textos que não subsistem sozinhos, sobrevivem em períodos subordinados ou coordenados sempre de modo assindético. Todo texto toca outro texto, todo abrigo é abrigo de textos, todo caminho é textual.

Quando Deus criou os textos lhes cobriu de pelos e lhes chamou homem; quando a mulher criou Deus lhe arrancou a pele e lhe chamou texto; quando o texto criou a mulher e o homem lhes distendeu a pele e lhes chamou paixão.

Todo texto desce pela boca como beijo e chega no estômago como fome. O metabolismo de um texto é texto inquieto. A indigestão de um texto é texto à procura das próprias linhas e das linhas impróprias.

Um texto pós-pandrial resvala pelo organismo; toda disfunção do corpo é gramatical e toda verborreia é resultado de intoxicação linguística. Quando aumenta a temperatura textual e o corpo fica febril é necessário suar textos por todos os poros e derramar textos pelos cotovelos; e jogar textos fora, como quem conversa.

Os caminhos da vida são caminhos dos textos. Vamos pisando os textos sob a sola dos pés e irrequietos levamos textos à flor da pele. Nossas passadas seguem os ritmos dos textos, que nos apressam ou nos paralisam, e os textos nos acolhem em suas casas.

Seremos textos cobertos de peles por toda a vida e quando morrermos seremos epitáfio: um texto cercado de pedras.

Um comentário:

  1. Como Deus é verbo, também nós o somos, cobertos de pele, pelos e carregados de sentimento e sentido. Texto incrível, não deixe de nos brindar com suas reflexões.

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