Foto:
Marcello Casal Jr
/
Agência Brasil
Marcos Monteiro*
O trânsito da juventude do espaço
virtual para o espaço político, fazendo migrar centenas de milhares de jovens
do facebook para os prédios legislativos do país, coloca em questão os nossos
espaços atuais e o nosso sentimento de pertença. Cada vez mais nos movemos com
facilidade no mundo da internet e os mais jovens pertencem a esse mundo virtual
em toda a sua complexidade e possibilidades. O espaço político, por outro lado,
pertence a um outro tipo de geografia, mundo desconhecido a que não pertencemos,
em uma democracia representativa que cada vez menos nos representa. O movimento
de jovens que aglutina gente de todo o país para lutar contra o aumento de
passagens dá visibilidade àquilo que todos sabemos: é cada vez mais fácil
navegar na internet e cada vez mais difícil transitar pelas cidades.
Quando os noticiários de jornais
e televisão usam o verbo “invadir” para descrever o ato de jovens se
movimentarem para dentro de espaços legislativos ou executivos, como os prédios
da Assembléia do Rio de Janeiro ou do Congresso Nacional em Brasília ou da
Prefeitura de São Paulo, descrevem muito bem essa estranheza, esses lugares que
deveriam ser extensão de nossa cidadania, são lugares esquisitos, propriedades
privadas da classe política, esse exótico grupo de pessoas que não sabemos
muito bem o que fazem nem o que significam, mas que temos certeza de que não
nos representam. Espaços a que só podemos ter acesso através de táticas de
“invasão” ou de descontrole violento.
De modo semelhante, os jovens
ocuparem pacificamente as ruas e avenidas da cidade, é imagem e aviso de que
pretendem retomar o que lhes pertence e que na prática sempre lhes é negado: a
cidade e a democracia. Os mecanismos da democracia representativa são
insuficientes para a participação efetiva da população e os jovens mais uma vez
estão procurando meios antigos e novos de mostrar o seu rosto e de modular a
sua voz. De forma prática, estão gritando por todo país que os ambientes
virtuais, sociais e políticos, podem confluir como espaço único de interação e
que a organização da sociedade civil continua sendo o desafio mais urgente para
a democracia do país.
Jornais internacionais e
comentaristas nacionais tentaram delimitar a luta em torno dos vinte centavos
de diferença que criara a revolta popular. Reduzir questões a tarifas
econômicas é típico de um sistema político-econômico que transforma mercado em
finalidade única. A revolta transcende a questão de preço. Os jovens querem as
ruas da cidade como espaço vital, espaço político, econômico e cultural. Do
mesmo modo, considerar vinte centavos uma quantia pequena é típico de quem
raciocina em dólar ou euro, ou de quem não percebe que o preço atual da
passagem para o orçamento de grande parte da população já é uma exorbitância.
Estudos técnicos demonstram que passagens de ônibus poderiam ser pelo menos
vinte por cento mais baratas sem atrapalhar os grandes lucros das empresas. A
indignação, portanto, é por mais vinte centavos de exorbitância. Ainda mais:
uma parte da juventude é contra não somente o aumento da passagem, mas contra
passagem ter preço.
Novamente, voltamos à questão
maior. O sistema atual nos afirma alguns direitos, como o direito de ir e vir,
mas nos dificulta o acesso a esses direitos, ou dizendo de outro modo,
precifica tais direitos e assim fazendo restringe os tais a uma pequena parte
da população. Nos oferece uma democracia e não nos oferece os espaços de
participação. Como cidadãos do nosso tempo, diante do sistema em que nos
encontramos, para que possamos ter real poder de participação e de decisão,
teríamos de elaborar táticas de “invadir” aquilo que por direito nos pertence,
para que não seja preciso apelar para confrontos violentos.
Feira de Santana, 18 de junho de
2013.
*Marcos Monteiro é assessor de
pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da
Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA e do grupo de pastores da Primeira
Igreja Batista em Bultrins, Olinda, PE. Também faz parte da diretoria da Aliança
de Batistas do Brasil e é membro da Fraternidade Teológica Latino-Americana do
Brasil.
CEPESC – Centro de Pesquisa,
Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com. Fone: (71) 3266-0055.
Marcos, muito pertinente seu texto!!! Gostaria de dialogar sobre dois pontos em específico:
ResponderExcluir1. "Espaços a que só podemos ter acesso através de táticas de “invasão” ou de descontrole violento."
e, 2."Do mesmo modo, considerar vinte centavos uma quantia pequena é típico de quem raciocina em dólar ou euro, ou de quem não percebe que o preço atual da passagem para o orçamento de grande parte da população já é uma exorbitância."
É muito estranho ouvir essa onda de pacifismo gerado pela mídia e pela maioria das pessoas que estão se manifestando. Os lugares públicos tomados por direito pelo povo são na verdade, espaços privatizados para os representantes do poder público: os políticos. No caso das ruas, controlados pela PM. Táticas de invasão ou de tomada ou de agressão ao Patrimônio público pode ser interpretada como a revolta contra o tipo de representação que se tem, ou a não representação por parte dos políticos, pela urgência de mudanças estruturais na forma de se fazer política e não apenas nos políticos em questão... Depredar o patrimônio público é revidado com violência sobre os corpos dos manifestantes que são chamados de vândalos, sem a menor consideração pelas históricas lutas de quem acredita que isso não é violência!! Por exemplo, depredar as agências bancárias é uma manifestação clara de negar o domínio do Capital em nossa sociedade que está esvaziada de ideologia política. O governo PSDB de SP e a prefeitura do PT comungam das mesmas práticas quanto ao transporte público, não há diferença, não portanto, demarcação ideológica e vejo bem nítido o motivo de esvaziamento de partidos nessas manifestações.
Outra coisa é a questão dos 0,20! É sim por uma questão de vinte centavos!!!! Aqueles que entram na marcha e dizem que não é por uma questão de 0,20 centavos não sabem o que é isso no bolso de quem ganha um salário mínimo!! É transformas uma pauta clara e objetiva em um monte de causas não-objetivas, que não resultarão em nada!!! A tarifa como vc bem colocou é exorbitante!!! Em alguns países preocupados com essa questão a tarifa é divida igualmente entre poder público, empresários e usuários: 1/3 cada. Em SP 10% fica com os empresários, 20% com o poder público e a população fica com 70%!!!!!! Mas é claro que não é só por isso!!! Mas é isso tb! É isso primeiramente!! É isso primordialmente!!! Foi isso que puxou todo esse movimento!!!
Finalmente o blog voltou e posso ler seus textos mestre.
ResponderExcluirAbs!
Belíssimo, instigante, inteligente, sensível e muito pertinente... Peço licença pra utilizar uma parte dele. Abração, Marcos
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