sexta-feira, 30 de março de 2012

QUANDO NINGUÉM ACHA GRAÇA


Marcos Monteiro*

Chorar morte de humorista é paradoxo legítimo, porque morte é piada sem graça que nos aguarda no fim. Sem Chico Anísio e sem Millôr Fernandes, perdemos o motivo de rir, o riso alegre e inteligente que nos era trazido pela irreverência de cada um. O humor crítico, criativo e elegante, disposto de modos diferentes, acompanhou nossa vida e a nossa alegria nos momentos mais complexos de nossa história.

O humor de Chico criou tipos e contou histórias. Humor meio assim provinciano, recheado de personagens cotidianas. Tipos tão reais que precisavam ser inventados. Do professor Raimundo ao Bento Carneiro, o vampiro brasileiro, cruzamos de vez em quando com alguém que, desconfiamos, seria o próprio Chico Anísio, interpretando por aí. Quando não nos surpreendemos sendo nós mesmos Pantaleão ou Justo Veríssimo, lá na nossa intimidade mais íntima.

De certa forma, Chico nos mostrou que somos todos caricaturais, e precisamos rir de nós mesmos, para manter a sanidade.

Millôr seria mais cosmopolita. O seu humor existencialista ri do existencialismo, suas tiradas filosóficas tiram comédia da filosofia, sempre depois de uma pausa para o pensar. Nas peças teatrais, a mesma mania de provocar na mesma fala o riso e a reflexão. “Liberdade, liberdade” e “A história é uma história” são dois exemplos clássicos.

Na primeira, em plena ditadura militar, destaque para o momento: Um comandante, perplexo diante de um determinado problema, recebe a seguinte crítica: “– Mas general, esse é um problema que qualquer criança de três anos sabe resolver!” E o general responde: ” – Tragam-me uma criança de três anos!”. Ou seja, na República dos Generais não é preciso saber, basta saber mandar...

Na segunda, contando a história da humanidade, diz que em algum momento alguém inventou a roda e descobriu que a roda não servia para nada, somente para rodar. Foi quando um outro teve a idéia de colocar uma taboa sobre a roda, um peso sobre a taboa, e uma pessoa para puxar que surgiu a grande invenção da humanidade: a exploração. Ou seja, mais que a técnica, são as relações políticas e sociais que movem a história.

Ambos os humoristas primavam pela precisão. Millôr conciso em suas frases e Chico na caracterização de suas 209 personagens. Preciso também na montagem e na narração de suas histórias. Nesse momento, era personagem de si mesmo e suas histórias sobre o “foguetinho nacional” ou sobre sua infância em Maranguape, são inesquecíveis.

A “festa dos foliões” na Idade Média era o momento em que os cidadãos comuns tinham espaço e direito para ironizar e caricaturar suas personalidades mais distintas, suas autoridades mais sagradas e seus princípios e valores mais estáveis. Direito de suspiro em meio a um cotidiano pesado.

No nosso tempo atual precisamos fazer isso todo dia: necessidade terapêutica. Chico e Millôr nos deixaram um grande legado de humor e picardia, mas eles mesmos já não farão parte do grupo de nossos principais foliões.


Feira de Santana, 30 de março de 2012.

*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também faz parte das diretorias do Centro de Ética Social Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055.

Um comentário:

  1. No dia que o Chico morreu passei boa parte do dia revendo vídeos dele! Nossa, o cara conseguia ser de fato uma metamorfose, mudava o gesto, mudava a voz com uma facilidade assombrosa. O Millor nunca acompanhei, talvez ele seja muito requintado pra mim, sei lá... Enfim! O que me deixa mais triste em relação a ele não é saudade do que ele fez, mas do que ele não fez nesses anos todos com a globo botando ele na geladeira... Belo texto cara! Como sempre! Tava com saudades de visitar teu blog! Té mais!

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