Marcos Monteiro*
Todo ano, por esse tempo, na
cidade onde moro, Feira de Santana, uma certeza: a passagem de ônibus vai
aumentar e os estudantes vão reagir, o máximo possível. As manifestações estudantis
são contra quinze centavos a mais propostos por um conselho municipal de
transporte a ser examinada pelo prefeito da cidade. Tudo indica que a passagem
será de R$2,50 a partir de abril.
Na história das mobilizações,
estudantes já deflagraram movimentos capazes de derrubar presidentes e balançar
regimes ditatoriais. A movimentação contra aumento de passagem de Feira de
Santana permite-nos pensar sobre algumas coisas.
Todo manifestante sabe que o
problema não é o preço da passagem, mas passagem de ônibus ter preço.
Transporte público gratuito e de qualidade é bandeira maior, embutida nessa
pequena luta de quinze centavos. Feira tem um dos piores serviços de transporte
do Nordeste e um dos mais caros, basta conferir. E a concessão para transporte
urbano passa por aquela típica contaminação entre um setor privado e um poder
público manipulado pelos interesses daquele.
No jogo político jogado entre
sociedade civil e sociedade política, as mobilizações parecem estar cada vez
menores e puntuais, reflexo do avanço avassalador do sistema capitalista.
Faz-se a mobilização possível na meta do direito impossível. Na mobilização de
quinze centavos organizada pelos estudantes, o pano de fundo maior são os
preços de todos os nossos direitos e especificamente o direito de ir e vir.
Quando lemos a Declaração
Universal dos Direitos Humanos nos sentimos diante de um excelente cardápio,
mas sem os preços afixados.
Lembro de dois episódios
ilustrativos. O primeiro, a peça “Liberdade, liberdade”, com a irreverência de
Millôr Fernandes e o traquejo de Flávio Rangel, em que o texto brinca com o
“preço da liberdade”. Em plena ditadura, sob o olhar de uma censura que
torturava de verdade, eles afirmavam teatralmente que o preço da liberdade para
o Brasil, fixado pelo FMI, seria de “três portos e dezessete jazidas de
minerais estratégicos”.
O segundo, conversando com um
adolescente de periferia em Recife, cerca de dez anos atrás, perguntando se ele
já havia visitado o Shopping Center. Ele arregalou os olhos e respondeu: “–
Não!!! é muito cara a passagem, é um real”. O direito de ir e vir para ele
seria de dois reais, uma exorbitância.
São inúmeras as situações que
demonstram que o atual sistema econômico e político, no mundo todo, não tem a
capacidade de nos assegurar os direitos que prometem. Imigrantes, por exemplo,
cada vez mais desfrutam apenas do direito de voltar compulsoriamente. O segundo
verso da famosa poesia, “A Pátria”, de Olavo Bilac, “criança! não verás nenhum
país como este” tornou-se profecia óbvia para a maioria e para alguns pode ser
atualizada como “não verás nenhum bairro como este”. Culpa de preços de
passagens.
Falta um direito na Declaração
Universal: o direito de lutar por direitos. Esse, os estudantes exerceram, nos
deixando essa insistente lição. Em um mundo de desesperança e acomodação não
podemos abandonar nenhuma luta. Sempre é preciso lutar, mesmo que seja por
quinze centavos de direito.
Feira de Santana, 23 de março de 2012
*Marcos Monteiro é assessor de
pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da
Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também faz parte das diretorias do
Centro de Ética Social Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica
Latino-Americana do Brasil
CEPESC – Centro de Pesquisa,
Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-5526.
Muito bom Marcos, ressaltar que a desesperança e a comodidade devem ser vencidas, e que em se tratando de direito e liberdade, a luta ainda que por 0,01 centavo é legítima, portanto lutemos pelos quinze centavos de direito, por um transporte público de qualidade com acesso para todas e todos!
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