Marcos Monteiro*
Chorar morte de humorista é
paradoxo legítimo, porque morte é piada sem graça que nos aguarda no fim. Sem
Chico Anísio e sem Millôr Fernandes, perdemos o motivo de rir, o riso alegre e inteligente
que nos era trazido pela irreverência de cada um. O humor crítico, criativo e elegante,
disposto de modos diferentes, acompanhou nossa vida e a nossa alegria nos
momentos mais complexos de nossa história.
O humor de Chico criou tipos e
contou histórias. Humor meio assim provinciano, recheado de personagens
cotidianas. Tipos tão reais que precisavam ser inventados. Do professor
Raimundo ao Bento Carneiro, o vampiro brasileiro, cruzamos de vez em quando com
alguém que, desconfiamos, seria o próprio Chico Anísio, interpretando por aí.
Quando não nos surpreendemos sendo nós mesmos Pantaleão ou Justo Veríssimo, lá
na nossa intimidade mais íntima.
De certa forma, Chico nos mostrou
que somos todos caricaturais, e precisamos rir de nós mesmos, para manter a
sanidade.
Millôr seria mais cosmopolita. O
seu humor existencialista ri do existencialismo, suas tiradas filosóficas tiram
comédia da filosofia, sempre depois de uma pausa para o pensar. Nas peças
teatrais, a mesma mania de provocar na mesma fala o riso e a reflexão. “Liberdade,
liberdade” e “A história é uma história” são dois exemplos clássicos.
Na primeira, em plena ditadura
militar, destaque para o momento: Um comandante, perplexo diante de um
determinado problema, recebe a seguinte crítica: “– Mas general, esse é um
problema que qualquer criança de três anos sabe resolver!” E o general
responde: ” – Tragam-me uma criança de três anos!”. Ou seja, na República dos
Generais não é preciso saber, basta saber mandar...
Na segunda, contando a história
da humanidade, diz que em algum momento alguém inventou a roda e descobriu que
a roda não servia para nada, somente para rodar. Foi quando um outro teve a
idéia de colocar uma taboa sobre a roda, um peso sobre a taboa, e uma pessoa
para puxar que surgiu a grande invenção da humanidade: a exploração. Ou seja,
mais que a técnica, são as relações políticas e sociais que movem a história.
Ambos os humoristas primavam pela
precisão. Millôr conciso em suas frases e Chico na caracterização de suas 209 personagens.
Preciso também na montagem e na narração de suas histórias. Nesse momento, era
personagem de si mesmo e suas histórias sobre o “foguetinho nacional” ou sobre
sua infância em Maranguape, são inesquecíveis.
A “festa dos foliões” na Idade
Média era o momento em que os cidadãos comuns tinham espaço e direito para
ironizar e caricaturar suas personalidades mais distintas, suas autoridades
mais sagradas e seus princípios e valores mais estáveis. Direito de suspiro em
meio a um cotidiano pesado.
No nosso tempo atual precisamos
fazer isso todo dia: necessidade terapêutica. Chico e Millôr nos deixaram um
grande legado de humor e picardia, mas eles mesmos já não farão parte do grupo
de nossos principais foliões.
Feira de Santana, 30 de março de
2012.
*Marcos Monteiro é assessor de
pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da
Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também faz parte das diretorias do
Centro de Ética Social Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica
Latino-Americana do Brasil
CEPESC – Centro de Pesquisa,
Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055.
No dia que o Chico morreu passei boa parte do dia revendo vídeos dele! Nossa, o cara conseguia ser de fato uma metamorfose, mudava o gesto, mudava a voz com uma facilidade assombrosa. O Millor nunca acompanhei, talvez ele seja muito requintado pra mim, sei lá... Enfim! O que me deixa mais triste em relação a ele não é saudade do que ele fez, mas do que ele não fez nesses anos todos com a globo botando ele na geladeira... Belo texto cara! Como sempre! Tava com saudades de visitar teu blog! Té mais!
ResponderExcluir