sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

ORA DIREIS FAZER POESIA



Marcos Monteiro*

A poesia de Olavo Bilac garante que somente quem ama tem capacidade de “ouvir e de entender estrelas”. Mas às vezes nos falta estrela no céu – o céu urbano é cada vez mais distante e nublado – ou nos falta o tempo para conversar com estrelas. Até porque conversar requer certo tempo e certo espaço que não fazem parte da agenda pública do mundo de hoje.



“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso”! E eu vos direi no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto... (Olavo Bilac).

Abrir as janelas para as estrelas é abrir a existência para a poesia. A vida desfrutada em prosa é distensão útil para prolongar o tempo, mas não para dar qualidade ao mesmo. Precisamos dos momentos poéticos garantidos pelo amor para dar profundidade ao roteiro da nossa vida complexa. Habitamos a terra prosaica e poeticamente e o ser humano tem “fome de pão e de beleza”. Assim, poesia e literatura não seriam “luxos ornamentais”, afirma Edgar Morin, porque escolas de vida, escolas de complexidade.

Sem o deslumbramento dos momentos poéticos não pode haver dignidade humana. Mas dignidade humana é retórica de discurso de político, nunca programa e projeto. O amor não é considerado pauta política.

Nesses termos, se poesia e amor andam juntos, fazer poesia nos dias de hoje é desafio monumental que, nesses momentos em que o calendário nos oferece um tempo de transição, os escombros do ano passado e os temores da violência prenunciada não podem servir como métrica. Uma nova poesia pode ser composta apenas com os vestígios de luz do tempo que se apagou e com o rajado de verde, disfarçado no jogo de claro e escuro do cinza das políticas.

Juntar imagens e palavras, usadas e desusadas, para a nova poesia é aprendizado de alquimista que quase esbarra a toda hora na pedra filosofal e rodeia sempre as fontes de juventude. Por isso, os jovens continuam sendo reservatório de esperança e continuam empunhando bandeiras e conduzindo lutas antigas e novas.

Espaço para o amor e tempo para a poesia deve ser reivindicação urgente de toda a sociedade. Isso significa atenção ao caminho dos jovens. Jovens continuam lutando por melhores tarifas para o transporte público, por uma universidade mais pública e mais gratuita, por qualidade de vida e tem se envolvido em lutas de sem-teto, sem-terra, negros e negras, homossexuais, descriminalização de aborto e da maconha. No mínimo, colocam na ordem do dia antigos e novos problemas.

No ano que passou completei sessenta anos de idade. E continuo fascinado cada vez mais pelos jovens e pelo que eles nos propõem, por exemplo, quanto ao amor. Os jovens continuam defendendo o direito ao amor e a diversas formas de amar, enfrentando tabus e preconceitos sedimentados. E continuam fazendo poesia e abrindo as janelas para ouvir as estrelas.

Feira de Santana, 13 de janeiro de 2012

*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também faz parte das diretorias do Centro de Ética Social Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-5526. 

2 comentários:

  1. Marcos... lindo texto, fascinante provocação. Belíssima reivindicação da inclusão do amor e da poesia nas pautas sociais. Privilégio ouví-lo, sempre...

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  2. A poesia como uma saída para mazelas e desigualdades? Quem sabe, né? Não consigo viver sem elas (as quimeras e a poesia), e qto ao amor...Se for introduzido nas pautas políticas será o princípio da GRANDE REVOLUÇÃO!YEAH! O amor é a solução!!Maravilhosa reflexão, querido Madoniran!Beijos.

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