sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

A POLÍTICA NOSSA DE CADA DIA



Marcos Monteiro*

A sensação que tenho é de que os políticos habitam outro lugar também chamado Brasil, pensam de outro jeito e falam uma outra língua. E se tradução é tarefa impossível, toda tradução é traição, para o politiquês não temos intérpretes confiáveis, de modo que o jogo de linguagem da política é jogado diante dos nossos olhos, mas não conseguimos entender nada.

A palavra “democracia”, por exemplo, remete-nos a processos conhecidos dos políticos, democratas profissionais, e significa algo que eles sabem o que é, mas ninguém mais. O governo do povo, pelo povo e para o povo é a grande e bela utopia que serve para corrigir desmandos exagerados, o que já é alguma coisa. Não sabemos, desse modo, como funcionam os três poderes, mas sabemos que não estamos em um estado democrático quando alguém ou um grupo extingue o poder legislativo, controla o judiciário e escolhe o executivo, acintosamente. Assim foi durante a ditadura que, manhosamente se denominava de “democracia relativa”.

De todo o modo, as notícias políticas nos chegam como alguma coisa acontecendo em um país estrangeiro chamado Brasil. A nossa democracia pode ser chamada de “representativa” e somos chamados às vezes a avançar para uma democracia “participativa”. Quando um substantivo necessita e carrega uma multidão de adjetivos, alguma coisa pode não estar indo muito bem.

No nosso cotidiano, associamos as figuras e a própria palavra “política” a um certo mal-estar que enfrentamos de olhar enviesado. O jogo jogado no país da política afeta o nosso dia-a-dia, mas não sabemos como nem porque. Assim sendo não nos consideramos pessoas políticas, porque dificilmente teríamos acesso a essa dupla cidadania implicada nos processos que conhecemos. Na prática, se política tem algo a ver com distribuição de poder, a parte que nos cabe é pequena demais para percebermos diferença.

No nosso Brasil, o do povo, estamos sitiados em nosso cotidiano, exercendo os nossos pequeninos poderes, às vezes reproduzindo desmandos e práticas que acontecem nesse Brasil estrangeiro. Porque, apesar dos pesares, nunca perdemos a fascinação pelo estrangeiro, poderoso e exótico.

Também fazemos redistribuição de oportunidades, de rendas e de poder, raramente baseada em amplos critérios democráticos. Fazemos e desfazemos alianças, trocamos oportunos favores e redesenhamos o nosso ambiente particular, de acordo com nossas conveniências, dentro de uma rede de interesses que reproduz nos pequenos espaços o que acontece no distante país da política.

O mais desconfortável disso tudo é a nossa ética particular, parecida demais com a ética dos políticos que criticamos. O discurso ostentatório, a competição disfarçada, a disputa de poder, o boicote de idéias, a discriminação, a censura à palavra ou à idéia, são exercícios a que estamos tão acostumados que muitas vezes nem o notamos. Os grandes subornos que avistamos e denunciamos nesse distante país da política, são transformados em pequenos e administrados inocentemente na nossa luta diária.

O nosso país, o do povo, apesar das semelhanças, tem o seu próprio modo de ser e a sua própria organização. E com todas as contradições que carrega e desmandos que reproduz ainda é fonte de esperança. Seus heróis são anônimos, nadam contra a corrente e semeiam trigo no meio do joio, em pequenas doses. Talvez com eles estejamos gerando passo a passo um novo país com uma nova política.

Feira de Santana, 20 de janeiro de 2012

*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também faz parte das diretorias do Centro de Ética Social Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-5526. 

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