Marcos Monteiro*
A sensação que tenho é de que os
políticos habitam outro lugar também chamado Brasil, pensam de outro jeito e
falam uma outra língua. E se tradução é tarefa impossível, toda tradução é
traição, para o politiquês não temos intérpretes confiáveis, de modo que o jogo
de linguagem da política é jogado diante dos nossos olhos, mas não conseguimos
entender nada.
A palavra “democracia”, por
exemplo, remete-nos a processos conhecidos dos políticos, democratas profissionais,
e significa algo que eles sabem o que é, mas ninguém mais. O governo do povo,
pelo povo e para o povo é a grande e bela utopia que serve para corrigir
desmandos exagerados, o que já é alguma coisa. Não sabemos, desse modo, como
funcionam os três poderes, mas sabemos que não estamos em um estado democrático
quando alguém ou um grupo extingue o poder legislativo, controla o judiciário e
escolhe o executivo, acintosamente. Assim foi durante a ditadura que,
manhosamente se denominava de “democracia relativa”.
De todo o modo, as notícias
políticas nos chegam como alguma coisa acontecendo em um país estrangeiro
chamado Brasil. A nossa democracia pode ser chamada de “representativa” e somos
chamados às vezes a avançar para uma democracia “participativa”. Quando um
substantivo necessita e carrega uma multidão de adjetivos, alguma coisa pode
não estar indo muito bem.
No nosso cotidiano, associamos as
figuras e a própria palavra “política” a um certo mal-estar que enfrentamos de
olhar enviesado. O jogo jogado no país da política afeta o nosso dia-a-dia, mas
não sabemos como nem porque. Assim sendo não nos consideramos pessoas
políticas, porque dificilmente teríamos acesso a essa dupla cidadania implicada
nos processos que conhecemos. Na prática, se política tem algo a ver com
distribuição de poder, a parte que nos cabe é pequena demais para percebermos
diferença.
No nosso Brasil, o do povo,
estamos sitiados em nosso cotidiano, exercendo os nossos pequeninos poderes, às
vezes reproduzindo desmandos e práticas que acontecem nesse Brasil estrangeiro.
Porque, apesar dos pesares, nunca perdemos a fascinação pelo estrangeiro,
poderoso e exótico.
Também fazemos redistribuição de
oportunidades, de rendas e de poder, raramente baseada em amplos critérios
democráticos. Fazemos e desfazemos alianças, trocamos oportunos favores e
redesenhamos o nosso ambiente particular, de acordo com nossas conveniências,
dentro de uma rede de interesses que reproduz nos pequenos espaços o que
acontece no distante país da política.
O mais desconfortável disso tudo
é a nossa ética particular, parecida demais com a ética dos políticos que
criticamos. O discurso ostentatório, a competição disfarçada, a disputa de
poder, o boicote de idéias, a discriminação, a censura à palavra ou à idéia,
são exercícios a que estamos tão acostumados que muitas vezes nem o notamos. Os
grandes subornos que avistamos e denunciamos nesse distante país da política,
são transformados em pequenos e administrados inocentemente na nossa luta
diária.
O nosso país, o do povo, apesar
das semelhanças, tem o seu próprio modo de ser e a sua própria organização. E
com todas as contradições que carrega e desmandos que reproduz ainda é fonte de
esperança. Seus heróis são anônimos, nadam contra a corrente e semeiam trigo no
meio do joio, em pequenas doses. Talvez com eles estejamos gerando passo a
passo um novo país com uma nova política.
Feira de Santana, 20 de janeiro
de 2012
*Marcos Monteiro é assessor de
pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da
Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também faz parte das diretorias do
Centro de Ética Social Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica
Latino-Americana do Brasil
CEPESC – Centro de Pesquisa,
Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-5526.
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