Marcos Monteiro*
Vivemos a história ocidental na
região demarcada pelo verbo ser. O que somos, fomos, seremos, tem definido
programas, prioridades e organizado o nosso cotidiano ao nível das diversas
relações. O nosso ser está cada vez mais definido pelo presente do indicativo
na primeira pessoa: sou. Daí a pergunta competente presente nos conflitos
maiores e menores: “Você sabe com quem está falando?”.
Na filosofia, o verbo ser se
torna substantivo e a questão do ser central. “Por que o ser e não o nada?”.
Pergunta nunca abandonada, retomada ciclicamente, abrandada pela análise do
existente, o ser humano concreto em sua dimensão temporal, pensado a partir do
seu cotidiano pelo alemão Heidegger. Desse modo, em vez da dureza do “ser”, a
construção do “sendo”, ser que se vai construindo em uma história nunca
terminada.
Viver em torno do “ser”, para
Lévinas, é nunca abandonar a região do inter-esse e esse teria sido o problema
da civilização ocidental. Na sua experiência infantil o ser era aterrorizante e
parecia opaco, para onde se voltava havia a força ameaçadora do ser. À medida
que procura brechas no ser, distensões, afastamentos, esquecimentos, percebe o
“outro” que nos antecede na região do ser, o que nos torna fundamentalmente
éticos. Em filosofês, o outro nos precede na região do ser, ou a ética é
anterior à ontologia; a ética seria a verdadeira filosofia primeira.
No caso concreto da sociedade
brasileira, temos o problema da dissociação entre ética e política. Na Grécia clássica,
política é o momento maior da ética. Mas claro que o século XXI não tem nada a
ver com eras clássicas e há uma distância muito grande entre o Brasil de Cabral
e a Atenas de Péricles e Aristóteles. A política aqui pertence à região do ser,
é política de interesses. As demandas do meu grupo devem prevalecer sempre,
mesmo diante do rosto do outro que me convida à compreensão.
Para onde nos voltamos, o outro
nos interpela. Na agricultura, diante do agronegócio, o outro é o sem-terra; na
questão racial o outro é o negro; nas relações de gênero o outro é a mulher; na
sexualidade o outro é o homossexual; na questão religiosa o outro é o
povo-de-santo do Candomblé; nas questões econômicas, o outro é o pobre. Uma boa
imagem, seria a de uma mulher negra morando com sua companheira em um casebre
ou vagando sem rumo, com a mesma, pelas ruas da cidade grande ou pelas estradas
do Brasil.
Quando os novos tempos chegaram
com sua abundância de contradições e com seus novos problemas, definiram o novo
homem e a nova mulher como despolitizados. Ora, toda desconstrução pressupõe
uma reconstrução e na repolitização da sociedade, a luta de todas as minorias
foram ocupando um espaço que nos convida a novas análises. A sociedade é bem
mais fragmentada do que nos faziam prever as grandes dicotomias,
ressignificando a distribuição de poder, nos convidando a uma nova política.
Desse modo, nenhuma sociedade
hoje pode fazer um programa político sem levar em conta a questão da
alteridade, o outro em sua vivência concreta, em sua política cotidiana. Então,
vamos apoiar as lutas das minorias e avançar para entender o que significa a
anterioridade do outro, para alcançarmos afinal o estado político e o estado
ético.
Feira de Santana, 06 de janeiro de 2011
*Marcos Monteiro é assessor de
pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da
Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também faz parte das diretorias do
Centro de Ética Social Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica
Latino-Americana do Brasil
CEPESC – Centro de Pesquisa,
Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-5526.
Que beleza de texto, Marcos. Me deixou extremamente feliz e triste, também. Necessária e pertinente provocação pela anterioridade da alteridade. Difícil desafio para o ser (pós)moderno, híbrido e ensimesmado em sua hibridez - representado por mulheres masculinizadas, por negros embraquecidos, por majoritárias minorias, por poderosos desempoderados. Suas provocações, como sempre, me apontando uma utopia, um horizonte, uma causa. Muita... muita saudade, meu professor, meu pastor, meu amigo.
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