sábado, 2 de abril de 2011

Textos são porque assim

Piscou para a prostituta e tirou a cartola para a madame; porque textos são assim, promíscuos e galantes.

Pela mão da criança inventou vôos até se lançar cansado no colo da avó; porque assim são textos, olhares de soslaio ávidos de carícias.

Enfrentou uma matilha de cientistas, tapetes de microscópios, agulhas em punção, amostras de colágeno, biópsias, perscrutar vísceras em ânsia vidente; assim são textos porque se lançam prometeicos assustando deuses e homens.

Comprou passagem de avião, somente ida; porque são textos assim, gostam de voltar a pé, devagarzinho, por picadas empanturradas de verde.

Quando se fazem ângulos retos se espremem pela megalópole, e ensaiam formas geométricas sólidas ou gasosas; assim, porque são textos, carregam as evocações das pirâmides e o balanço dos arranha-céus.

Especialistas e estetas se aproximam de modos desiguais, examinam-lhe as costas, viram-lhe de cabeça para baixo, ou simplesmente suspiram; são textos assim porque se lançam na inconstituição das lógicas.

Há oceanos de silêncio em que mergulham devagar e medos que precisam ser gritados, as folhas do tempo têm cores diferentes; textos, porque são assim, suplicam por ritmos.

Balançando em pautas musicais, caminham sobre ondas, místicos e luminosos; assim textos são, porque a vida também se entretece ao ouvir.

Antigos como a saudade, ainda não nasceram; são, porque textos assim se oferecem como portas em terras sem muralhas.

Caminhos serpenteando o calcanhar dos que seguem, filetes desvendando  segredos; são, porque assim textos espreitam com astúcias a inocência das vítimas.

Carrega em um grande saco palavras gastas, sobras de frases, cacos de orações subordinadas, metáforas velhas e imagens usadas; textos são assim porque fazem sucata da linguagem e produzem artesanato, bricolagens de significados.

Tapete de relva estendido até o horizonte; porque assim textos são, convites para construção de habitações permanentes ou para tendas de acampantes.

Tem modos solenes de levar segredos, passadas cadenciadas em cenho franzido; textos assim são, porque se despem de ornamentos quando prosseguem.

Quando perambula assoviando, disfarça a inquietação; textos são, porque assim podem dizer mais do que dizem ou muito menos.

Dias em que se precisa medir o tamanho da tristeza e estender a pele pelo assoalho; são assim textos, porque criam raízes no vale do desejo.

Fazer surgir cartolas para coelhos pelos buracos do mundo e distrair os sentidos para que o sono escape; assim textos, porque são movidos por tudo e por nada.

Jogar palavras casualmente, como dados, ou fazer movimentos precisos em tabuleiro; são assim porque textos propõem regras para quebrá-las.

Injetam-se nas veias, depressivos e alucinógenos; porque são assim, textos que matam o paciente que curam.

Brincam de horizontes e fundem todos os tempos, verticais e horizontais em declínio; textos assim, porque são promessas que não se cumprem.

Curvou-se sobre si mesmo nos escaninhos do tempo, até se desenrolar exausto; textos, porque assim são, precisam se enovelar para bordar os panos.

Salas são cavernas e cadeiras são correntes para o teatro de sombras; porque textos assim, são espetáculos que não suportam sol.

Em roda de diletantes, as palavras giram no caleidoscópio das retinas; assim, porque textos são a penúltima oportunidade.

Sem pressa e sem endereço, vagabundos que dormem pelos becos e pelas beiras, caçadores de borboletas de asfalto; são textos, porque assim se distanciam daquilo que buscam.

Brotam das canções do centro da terra, dos gemidos das procissões de penitentes, das rusgas dos insetos, dos silêncios cósmicos, da saudade do escuro, das perguntas a caminho, da pulsão das pulsões, das existências da existência; assim são, porque textos.

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