segunda-feira, 25 de abril de 2011

Quando chegar o agá

Gosto do otimismo incurável de Paranísio. Gosto muito. Para ele o socialismo não seria uma etapa futura, depois de estágios prolongados, em que cada geração acrescenta a sua parcela de sacrifício, para que o paraíso na terra seja construído finalmente. Não. Para ele, a utopia se torna topia a qualquer momento, o não-lugar vira lugar, pela própria força da vida. O mundo socialista, aquele “de cada um segundo a sua possibilidade para cada um segundo a sua necessidade”, nos espreita nas entrelinhas da história, especialmente pela força das vilas, das quais a Vila Maravila é símbolo e síntese.

Suas análises de conjuntura vêm desse entusiasmo sem limites e o governo de Dilma recebe imediatamente suas críticas. Para ele, a companheira Dilma ainda não aprendeu que “não se carrega água em sacola de pano, ainda mais furada” e que suas tentativas de salvar o sistema somente apressam a sua derrocada.

– A companheira Dilma ainda pensa que se consegue acender uma vela para Karl Marx e cinco para Barack Obahma – diz, decepcionado com o acolhimento caloroso que o presidente dos EUA, símbolo do mal para ele e para toda a Vila, recebeu no Brasil. – Aliás, cinco velas não. Acendeu cinco holofotes, desses de iluminar Pacaembu e Maracanã de uma vez só.

Entretanto, isso pode apressar ainda mais o socialismo. De alguma forma, o mundo pode perceber toda a impossibilidade de aliança com os donos do capital e resolver sua antiga situação, de opressão e miséria de um golpe só. Assim raciocina Paranísio, presidente do Sindicato dos Ambulantes da Vila Maravila, socialista de vergonha e ateu que, não acreditando em Deus acredita no ser humano, pensa assim e o seu otimismo sempre me surpreende. O socialismo é o agá que virá logo tornar a Vila Maravila completa. Mas, até mesmo nessa questão de religião Paranísio é surpreendente.

Outro dia, nos encontramos e ele estava preocupado com a situação de alguns jovens na Vila e me pediu:

– Pastor, reúna a sua comunidade e ore, peça a Deus por essa juventude.

Claro que estranhei o pedido e comentei:

– Você não acredita em Deus... – ao que ele respondeu:

– Tem certas horas, todo socialista de vergonha sabe, que a gente não pode dispensar a ajuda de ninguém... nem de Deus. Já pedi ao padre e ao pai de santo para reunir o povo e fazer as orações. Porque sei que se bem não fizer mal não faz.

– E tem mais. Vocês que crêem em Deus, sempre que meio assim desconfiam... A gente que não crê, tá meio querendo crer, como que desejando que Ele exista e desmanche logo a encrenca desse capitalismo... A gente não é burro... sabe que Deus mesmo não existindo sempre funciona...

Fico querendo entender esse mundo socialista que Paranísio quer me desenhar, que Vila será o mundo quando o “agá” chegar. Mas parece lembrar esse mundo utópico que Marx descreve. Tempo para trabalho, mas trabalho realizador e produtivo, nunca trabalho sem sentido e escravizador. Mas especialmente tempo para o amor, para a arte, música e poesia.

Os dois problemas do mundo, segundo Marx, desapareceriam então. O estado e a religião cairiam de maduros em um mundo em que as relações humanas e as relações econômicas se encontrariam finalmente. Fico, então, tentando entender esse mundo de Paranísio. Ainda poderíamos crer? Paranísio diz que poderemos crer à vontade, se quisermos. Todo e qualquer Deus teria lugar nessa nova humanidade, desde que não fosse desculpa para a opressão e exploração.

– Somente um Deus vai tá proibido de entrar na Vila Maravila quando chegar o agá. É o Deus Capital que a sua bíblia chama de Mamom. Desse aí nem Jesus Cristo gostava.

Por incrível que pareça há uma grande coerência teológica na argumentação de Paranísio. Paranísio não é escolarizado, mas é escolado, esse jeito de dizer do povo que percebe uma sabedoria acumulada na escola da vida. A vida de Paranísio é de lutas e isso significa encontros práticos e teóricos em torno de objetivos bem concretos, sempre visando um mundo melhor. Nesses encontros, textos bíblicos e teológicos são partilhados às vezes, de um modo mais forte. Isso não se encontra nas igrejas.

Uma leitura atenta dos evangelhos, mostra que Mamom é na verdade o grande adversário de Jesus e as narrativas bíblicas sobre mundos ideais, tanto a do paraíso, jardim perdido nos começos da história, quanto a da cidade celestial, destino histórico da humanidade, segundo o Apocalipse, apresentam um mundo sem religião organizada. Deus é um habitante dessas regiões perfeitas, caminhante do jardim, ou governador da cidade santa. Portanto, um Deus livre das organizações religiosas.

De certo modo, existe um número considerável de pessoas que não têm prática religiosa oficial, mas caminha e conversa com esse Deus dos caminhos e das cidades. Em mundos ideais, talvez não se precise nem de burocracia estatal nem de burocracia religiosa. O poder da vida e o mistério da existência encontrariam caminhos mais naturais de vivência.

2 comentários:

  1. Boa tarde pastor, acabei de assistir pela internet uma mensagem que o sr pregou lá na Batista do Pinheiro, que mensagem edificante, que Deus continue usando sua vida.
    Obs: O sr. poderia colocar mensagens no blog.

    Um grande abraço!

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  2. Amigo, muito obrigado pela sua sugestão. Estamos começando a repensar o blog e sua idéia é muito bem-vinda. Vamos ver se consigo avançar até esse ponto. Sou principiante e aprendiz nesses caminhos virtuais. Um abraço.

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