Marcos Monteiro*
O mundo todo assistiu ao noticiário como quem acompanha um seriado de televisão, ou um filme de ação, com o esperado final feliz. As ações da CIA dirigidas pelo presidente dos EUA, Barack Obama, foram divulgadas como o fim de um episódio que começou em 2001 com a destruição das simbólicas torres gêmeas. O final é a morte do suposto mentor do atentado, o também simbólico Osama Bin Laden.
Nosso subconsciente se alimenta de imagens e o choque dos aviões e a queda das torres gêmeas abalam os nossos sentimentos éticos, como a imagem de um século XXI em que a crueldade humana liquida vidas inocentes em nome de idéias, inclusive religiosas. Mas as imagens de helicópteros que invadem ilegalmente um país supostamente amistoso e de soldados armados que invadem uma residência matando seus ocupantes, mesmo os desarmados, foram divulgadas como símbolo da vitória do bem sobre o mal.
Fala-se muito sobre Auschwitz, com o seu crematório de judeus, provavelmente o maior símbolo da maldade humana no século XX. Mas fala-se muito pouco de Hiroshima e Nagasaki, duas cidades destruídas em minutos, com a sua população civil pagando o preço de uma guerra que não lhe pertencia.
Auschwitz é imagem realmente tenebrosa, revelando-nos o que o ser humano é capaz de fazer quando aliado do mal. Mas Hiroshima é mais feroz ainda, porque nos lembra da crueldade humana em nome do bem. O país símbolo das liberdades humanas tem a liberdade de lançar a bomba apocalíptica sobre duas pacatas cidades e em nome da democracia destrói democraticamente homens e mulheres, crianças e idosos, civis e militares, com o agravante da contaminação do solo com a morte invisível da radiação, macabro presente para os que sobreviveram.
Auschwitz é imagem realmente tenebrosa, revelando-nos o que o ser humano é capaz de fazer quando aliado do mal. Mas Hiroshima é mais feroz ainda, porque nos lembra da crueldade humana em nome do bem. O país símbolo das liberdades humanas tem a liberdade de lançar a bomba apocalíptica sobre duas pacatas cidades e em nome da democracia destrói democraticamente homens e mulheres, crianças e idosos, civis e militares, com o agravante da contaminação do solo com a morte invisível da radiação, macabro presente para os que sobreviveram.
No presente episódio do Paquistão são muitos os elogios sobre o procedimento, a CIA elevada à condição de um herói. Uma agência criada para suspeitar, torturar e assassinar deveria nos causar terror. Mas ingenuamente aceitamos as imagens e comentários não tão ingênuos, sem lembrar que todo esse poder, exercido arrogante e ilegalmente, ameaça também as nossas cabeças. Talvez já tenhamos sido investigados e o nosso destino mortal já tenha sido decidido e os mesmos helicópteros invadirão a qualquer momento nossa residência. Depois conseguiremos, quem sabe, algum pedido formal de desculpas e até uma indenização para os nossos descendentes.
Destruir violência com violência, tortura com tortura, morte com morte, é tão surreal quanto tratar o vírus da gripe com o bacilo da tuberculose. O concreto é que há uma cultura da violência alimentada e divulgada e que pessoas são treinadas para um cotidiano de ações que incluem a tortura e o assassinato em suas habilidades. O aumento do número de mercenários no mundo, capazes de agir violentamente apenas por dinheiro, são o subproduto natural desse processo. Comumente são ex-policiais, ex-agentes e ex-militares muito bem treinados na arte de infligir dor e de matar, profissionais liberais da tortura e do assassinato.
Meios não éticos para fins éticos fazem parte da nossa história, antes mesmo de Maquiavel, com resultados sempre ambíguos. O problema se agrava quando lembramos que a coisa mais fácil para um dirigente impopular sempre foi realizar uma heróica ação guerreira para impressionar e unir a opinião pública. Margareth Thatcher inventa a guerra das Malvinas e George Bush, pai e filho, invadem o Iraque, em datas diferentes mas conseguem resultados semelhantes, a bênção da opinião pública, ainda que provisória.
A tentação para Barack Obama pode ter sido grande demais. Incapaz de cumprir promessas impossíveis de restaurar o sonho americano, sempre resta a popularidade do cowboy, aquele cujo mérito é matar mais e mais rápido.
A imagem de soldados fardados e armados saindo de um helicóptero para assassinar os moradores de uma casa em um país estrangeiro deveria ser aterrorizante, mas vai ser escondida no tapete da história, sempre contada pelos vencedores. Resta-nos um outro sonho impossível: o de um mundo fascinado pela música, pela dança, pela alegria e pelo amor, em vez de atento à violência e à morte. Nesse outro mundo não haverá espaço nem para Barack Osama nem para Obama Bin Laden.
Feira de Santana, 06 de maio de 2011.
*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também faz parte das diretorias do Centro de Ética Social Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055.
Marcos,
ResponderExcluirGostei do final. Achei um pouco injusta a tentativa de querer transformar Barack Obama em um cowboy frustrado à la George Bush. Como todo governante, ele está ali prá cumprir um papel e aconteceu de chegar a hora de Bin Laden com ele no poder. Poderia ter sido com Bush. Não foi (o que prá mim seria absolutamente indiferente). Fora isso, não creio que tenha sido tentação nenhuma. Com relação à popularidade adquirida, ela veio em péssima hora e irá virar fumaça se a economia não melhorar, afinal, faltam dois anos ainda...
Achei também que Bremen poderia ter sido mencionada. Não se sabe com alguma precisão o número de mortos da esquecida Bremen, transformada em fogueira por americanos e ingleses a pedido expresso de Stalin (que sabia que a cidade estava abarrotada de refugiados e não representava uma ameaça militar). Sabe-se apenas que pode ter chegado facilmente a cem mil pessoas.
Menciono Bremen apenas porque o horror daquela guerra estranha gerou também símbolos, que manipulamos de acordo com a nossa conveniência ideológica, Hiroshima e Nagasaki é um desses, escolhidos pelos anti-americanos como símbolo máximo da perfídia do poder (talvez algum ideólogo de plantão ache que eu concorde com o episódio. Paciência).
Sabe-se que Bonhoeffer tinha contatos com alemães que planejavam matar Hitler, e que por essa razão foi executado após o fracassado atentado de Stauffenberg. Todos nós nos orgulhamos de Bohoeffer, de sua praticidade e visão histórica. Achamos que tudo que ele fez para destruir o Nazismo foram ações válidas e também cristãs, e certamente seria mais conhecido e celebrado se por acaso tivesse de alguma maneira participado no aniquilamento físico de Hitler (eu sei, essa especulação não leva a lugar algum, mas talvez sirva como complemento de idéia mais adiante...).
E no entanto somos capazes de nos indignar com o desaparecimento de um Osama Bin Laden quase que apenas porque ele foi morto por americanos e suas mil maneiras de se acabar com um ser humano. Certamente que se tivesse sido por seu escudeiro-mor isso nos teria sido absolutamente indiferentes.
Vivemos uma era em que a possibilidade de se ver uma cidade desaparecer do mapa - exatamente como Hiroxima e Nagasaki - é real e absolutamente possível.
Em que um governante defende o Armagedon como uma ordem divina.
E estamos aqui, discutindo os métodos dos americanos e seu governante de plantão.
A hora é de procurar saber se como cristãos não caímos também em tentação. A de querer enxergar a complexidade do mundo pela ótica mais fácil.
Um grande abraço e peço mil perdões pela indelicadeza.
Valter, somente ter merecido um comentário seu já valeu o texto. Realmente fico indignado com qualquer ato que rompa todos os limites mínimos de direitos. E claro que não consigo compreender militarismo, terrorismo, agências secretas, que se movem na mesma lógica: contra o inimigo pode-se tudo. E fico mais chateado quando isso se faz em nome de valores que aprendemos a prezar: democracia, liberdade, humanidade. Desse modo, sempre acho a crueldade efetuada em nome do bem a pior de todas... Claro que Obama é apenas um símbolo e não dá as cartas sozinho. Bem, é de madrugada e esse assunto tem muitos panos para mangas... Merece um ano de conversa diária regada a vinho e queijo... Um grande abraço.
ResponderExcluirMarcos, somente voltar a conversar com voce já valeu a pena.
ResponderExcluirMe parece que a idade anda fazendo estragos na minha memória... Mencionei a inexistente cidade de "Bremer" todo o tempo quando na realidade queria dizer "Dresden". Só agora pela manhã, lendo o seu texto e relendo o meu é que percebi o lapso de memória. Um grande abraço.
Que texto perfeito! Tão bom ler algo tão sensato diante desse mundo tão hipócrita e com valores deturpados!
ResponderExcluirA ignorância alheia nos torna descrentes dos seres humanos...
Beijos da prima, Manoela Lemos.
Manoela, tenho de tentar aprender a escrever para receber comentários seus... isso é urgente... Coisa boa te encontrar bela, inteligente, prima e virtual... gosto ainda mais da presença viva e da verve criativa e adorável... Ou seja, estou morrendo de saudades de toda a sua patota... pai, irmãos e cia ilimitada. Ainda mais, você me lembrou: tenho a honra de ser primo... demais... Um beijo saudoso.
ResponderExcluirEita Marcos... bom demais poder teus textos, tua escrita, tuas leituras, camarada. Obrigado.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirClareza, simplicidade e desafios, são palavras que seu texto coloca diante de mim Marcos. Maravilha ler seus texto viu. Um abração
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