sexta-feira, 15 de abril de 2011

ORA DIREIS, OUVIR NOTÍCIAS

Marcos Monteiro*

A notícia é uma edição da vida e edição da própria notícia. O noticiado tem um pequeno espaço e um pequeno tempo de informação. Se toda informação divulgada deve ser escolhida dentro de todo um complexo informativo, no espaço e tempo da edição cabe apenas uma pequena parte da informação escolhida.

O desescolhido pode ter uma força decisiva para a vida cotidiana. A edição se coloca sempre entre os propósitos do informante e os desejos dos informados. No entremeio dessa rede, uma série de interesses, econômicos, políticos, sociais, mesmo religiosos, vão conformando a notícia de tal modo que esta recebe um aspecto semelhante a um jogo de claro-escuro. A pintura de Rembrandt, onde luminoso e obscuro se conjugam, pode ser o emblema desse processo. A informação, desse modo, sempre é e sempre precisa ser, desinformação. Informar é desinformar, no mesmo ato e processo.

Temos sido informados nos últimos dias sobre catástrofes naturais, enchentes no Brasil e terremotos no Japão, catástrofes energéticas, especialmente a nuclear, catástrofes sociais, tipo a guerra civil na Líbia e o massacre na escola realengo do Rio de Janeiro. Informando-nos sobre catástrofes, os jornalistas servem de vigias, aqueles que nos alertam sobre os perigos que nos aguardam. A notícia é o acontecimento em ato que nos deve prevenir para perigos potenciais, os quais raramente são noticiados.

Raramente somos lembrados do aquecimento global que ameaça a atual estrutura habitacional do mundo. Um redesenho da população do planeta com drástica redução de habitantes é uma grande possibilidade; mas isso não merece uma divulgação mais contundente. No mesmo momento que acompanhamos o vazamento de radiação nuclear no Japão, desacompanhamos os esforços para implantação de mais usinas nucleares no Brasil, algumas previstas para o Nordeste, com prazo e dotação orçamentária. Os problemas trazidos diariamente pela energia fóssil que utilizamos em larga escala também não fazem parte das nossas pautas de informações.

Na questão da violência, informação e desinformação, estão de mãos dadas o tempo todo. Sabemos da guerra civil na Líbia, dos mísseis lançados pelos dois lados, mas não somos informados sobre a indústria de fabricação de mísseis, nem dos interesses econômicos que afetam as grandes potências envolvidas no conflito.

O que mais tem ocupado espaço e tempo no noticiário, ultimamente, é o massacre de Realengo. As informações chegadas são de que um jovem psiquicamente perturbado planejou e executou um atentado que matou e feriu várias crianças a tiro. Não fomos informados que o Brasil é um dos maiores fabricantes de armas de fogo do mundo, nem de que uma das revistas que mais combateu o desarmamento da população é a que mais explora editorialmente a notícia do massacre.

O fundo religioso do atentado é enfatizado, e a tentativa de provar a ligação do jovem com muçulmanos, parece estar a serviço de reforçar a imagem do islamismo como uma religião de terror. Deixa-se de informar, por conseguinte, aspectos ideológicos do cristianismo que apóiam guerras, massacres e atentados sem sentido, e somos levados a esquecer que toda religião tem a sua contribuição positiva, ao lado de suas sombras. Na velocidade do tempo e na exigüidade do espaço requerido pela notícia, a informação torna-se quase uma brincadeira de duplo sentido.

Uma notícia, portanto, é um lampejo direcionado para aspectos da realidade. Isso nos desafia a examinar a não-notícia, aquilo que não foi escolhido para a edição do momento. A não-notícia, muitas vezes, é estrutural, possui uma periculosidade muito maior do que o acontecimento. Esse perigo é o desescolhido, quase sempre, para não contrariar interesses poderosos. Portanto, toda vez que escuto a notícia fico desejoso de ouvir a não-notícia.

Feira de Santana, 15 de abril de 2011.

*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também faz parte das diretorias do Centro de Ética Social Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055.

Um comentário:

  1. Enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer não, eu canto...

    Texto bastante desafiador. Não esquece de avisar quando estiver por aqui pra a gente preparar a alma para filosofar um pouco distante da sobriedade.

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