planetasustentavel |
Marcos Monteiro*
O tom adequado para se anunciar
um fato político deve ser o olhar indignado de quem quase não acredita no que
está vendo, ouvindo ou dizendo. Isso parece servir para qualquer tipo de
veículo de comunicação e para qualquer posição assumida. Indignação ganha
posição de informação confiável e envolvimento pessoal no trabalho de se
construir um mundo melhor, desde que parece lógico que se nos indignamos é
porque pertencemos ao outro lado. Ou seja, sempre há dois lados: o lado dos
indignados e o lado dos que causam indignação.
A indignação coloca sempre a
ética na pauta da discussão, pretende ser a extensão lógica de um sentimento de
raiva contra quem quebra irresponsavelmente os valores mais importantes da
nossa vivência pessoal. Até parece que quando nos indignamos nos tornamos
sujeitos moralmente responsáveis, vigilantes de uma ordem social que luta
constantemente contra um caos que não fomos nós que provocamos.
Sabemos que a raiva é
constituinte da nossa formação psíquica e precisa ser exercida. Paulo Freire
chega a afirmar que a raiva é um sentimento legítimo a ser empregado contra
tudo aquilo que impede a luta pela verdade, justiça e amor. Desse modo, a
indignação assume uma posição política necessária.
Entretanto, nem sempre se
indignar é portar-se criticamente, bem como a raiva não se torna sozinha
conscientização política. Via de regra, escolhemos o escopo da nossa
indignação, entre tantos, de acordo com nossos próprios interesses, na réstia
daquela tão antiga afirmação de Platão de que tememos muito mais sofrer a
injustiça do que praticá-la. Mecanismos de projeção podem estar sempre
produzindo a nossa indignação. Nos meados do século XX, Erich Fromm afirmava
que a “indignação moral” era um fenômeno de classe média. Grupo de pessoas que
se indignavam sobre o estilo de liberdade dos mais ricos, mas que gostariam na
verdade era de atingir esse mesmo jeito de viver.
Desse modo, é impossível não
desconfiar dessa onda de indignação desencadeada fortemente por todos os lados
em ano de aquecimento para a corrida eleitoral. Os indignados e indignadas que
têm acesso à mídia são isso mesmo: indignados com acesso. Os indignados sem
acesso, ou não têm lugar para dirigir a sua raiva ou têm outros conteúdos para
as mesmas. Tenho cada vez mais dificuldade de assistir à indignação de quem
vive do lado mais confortável de uma vida cada vez mais dura para tanta gente.
Sinto estranheza e, às vezes, não posso evitar de me indignar com esse tipo de
indignação.
Em toda essa produção de notícias
e informações, minha indignação vai cada vez mais para os silêncios e para as
entrelinhas. Por que não sei de nenhuma onda de indignação contra o sistema
financeiro ou contra o sistema fundiário do país? Por que as vítimas de juros
abusivos ou da sanha de grileiros e proprietários de terra não são pauta da
mídia? Por que alguns esquemas fraudulentos são muito mais noticiados do que
outros, às vezes maiores? Perguntas que talvez mereçam uma séria investigação,
mas eu não sei de quantas assinaturas indignadas precisaríamos para propor a
abertura de uma CPI da indignação.
*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do
CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de
Jesus em Feira de Santana, BA e do grupo de pastores da Primeira Igreja Batista
em Bultrins, Olinda, PE. Também faz parte da diretoria da Aliança de Batistas
do Brasil e é membro da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil.
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço
Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br,
site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055.
Nenhum comentário:
Postar um comentário