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Diziam do pastor João Dimísio que
tinha pregação de converter o diabo. Nos começos ele riu, depois ficou curioso,
depois saiu obcecado pelas encruzilhadas da noite ou pelos desertos do dia
procurando pelo dito cujo. Encontrou um dia, ou uma noite, numa lufada de ar
quente, e teve primeiro de evitar investidas, ouvir ameaças, contornar
armadilhas, até que, cansado o oponente, começou a tarefa em que era
especialista. Conversou, discorreu, argumentou, pregou, se empolgou até que o
outro amoleceu e ajoelhado aceitou Jesus.
Não cabendo em si de contente,
levou o esconjurado para a igreja, para o imprescindível testemunho. O
auditório, primeiro tenso, foi se emocionando e se banhando na enxurrada de
lágrimas que saía daqueles olhos para-sempre-secos. Detalhes de histórias
escabrosas, promessas de mudanças, troca de semblante pesado para incontida
alegria, compunha o lugar da palavra dita e um peso de milhões de anos
abandonou a alma do desalmado para alívio de todos e todas.
E a igreja começou um período de
fervor como nunca havia tido e paz e alegria se espalharam sobre todas as
pessoas, para delírio e graça do pastor Dimísio.
Mas uma coisa nova inesperada
começou a acontecer. O auditório foi diminuindo, talvez pelo desaparecimento da
inspiração do pregador, talvez apenas por diminuir mesmo, sobra de tempo para
uma vida descomplicada, falta de tempo para cultos e rituais. E não adiantou o
pastor trocar a mensagem do medo pela mensagem da graça porque o povo parecia
estar tão bem que não sentia necessidade nem de culto nem de pastor. Uma
atração especial de todo domingo, a sessão de exorcismo, deixara de acontecer,
porque convertido o demônio desaparecera a mania de incorporação. Aliás, até
mesmo Satanás, tão assíduo nos primeiros tempos começou a faltar culto,
interessado que estava em constituir família, modo sóbrio de dizer que estava
assim apaixonado.
O nome dela era Maria Rita e era
jovem fogosa, capaz de acender desejos no demônio, paixão tão incandescente que
não sobrava tempo para igreja e processo discipular.
Minguando a quantidade de fiéis,
minguou o dízimo e começou a minguar o padrão de vida do pastor João que não
era daqueles exploradores, mas temos que admitir que casa, carro e fim de
semana, não estavam ao alcance da maioria da população do país e o pastor teve
de procurar emprego, o que não estava sendo fácil.
Seu discurso, capaz de converter
o diabo, não conseguia convencer eleitor e não conseguiu ser político. Tentou
então ser camelô, mas descobriu que não conseguia vender nem mesmo calcinha e
sutiã a travesti e estava assim sem saber o que fazer da vida.
O que acontece hoje, então, é
que, depois de pregar para uma igreja literalmente vazia, sai desesperado pelas
encruzilhadas da noite ou pelos desertos do dia, na esperança de que uma lufada
de ar lhe traga de volta o diabo, agora para desconverter.
Caramba, quanta imaginação e humor. Gostei muito do texto Marcos...Pois é isso mesmo, acho que o diabo deve pensar: Mais isso também foi eu fulano, nossa, esses "evangélicos" já gostam de botar a culpa em mim nas suas atrapalhações próprias, meu Deus...! rs Grande abraço Marcos...!
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