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Marcos Monteiro*
O sentimento de que os caminhos
para o novo são novos caminhos parece estar invadindo a nossa consciência
política de tal modo que o discurso do novo mundo e dos novos caminhos passa a
ocupar pautas de pessoas, grupos e organizações.
A questão é que o novo não existe
em estado puro e depurar o antigo para extrair o novo parece ser técnica de
ourivesaria que ainda não dominamos, pelo menos no ambiente do jogo político.
Talvez pelo cotidiano, essa invenção da qual tratou Michel de Certau, nos
aproximemos de táticas de sobrevivência de coletivos que agem quase à margem
dos espaços macro de decisão e enfrentam as estratégias localizadas dos centros
de poder.
Nesses caminhos quase marginais
nos deparamos com modos diferentes de ser e modos diferentes de olhar. O olhar
sobre possibilidades não é comum, quase sempre prevalece o olhar de reprovação
de uma realidade tão visivelmente reprovável, mas de modo a nunca despertar
encantamentos e esperanças. Crítica para alguns é apenas exercício de negação,
nunca busca de caminhos novos para o novo.
Mas existe a irmã Marcela e todo
um grupo de pessoas ao redor que insistem em curar o mundo de formas novas, ou
então de formas tão antigas que se tornaram novas. Na cidade de Feira de
Santana, irmã Marcela e as pessoas ao seu redor entendem de chá, de plantas, de
compressas, de aplicação de barro, de toques e de massagens curativas. Antigo
conhecimento que se torna novo, terapia de índio e de bruxas, esses estranhos “descivilizados”
que acreditavam que o ser humano ainda é parte da natureza.
Uma filosofia de cura não como
ajuda externa mas como busca de um equilíbrio interior que passa pela
alimentação e pelo estilo de vida, como antiga atitude a ser novamente
aprendida, descoberta de caminhos perdidos por aí.
Para a irmã Marcela, em seus mais
de setenta anos de vida, europeia radicada no Brasil há tanto tempo, mais
brasilizada do que os brasileiros e brasileiras, o mais difícil é encontrar pessoas
dispostas a trabalhar nesse estilo de vida desafiador. Pessoas que não busquem
nem lucro nem sucesso, como tenta me explicar. O olhar sobre um mundo “cada vez
mais violento”, sobre “descaso de governantes”, sobre a “inoperância da classe
política” é um modo de olhar que não lhe interessa e que chega a lhe irritar
quando começa a conversar.
Irmã Marcela tem formação
suficiente e suficiente atitude crítica para perceber toda essa torrente de
análises negativas que se tornaram lugar comum. Mas atitude crítica se completa
com decisão de vida, tanto de luta contra todo tipo de injustiça e exploração,
quanto com a costura de espaços de justiça e igualdade na contramão do sistema
e dos valores apregoados como evidentes.
Pobreza e fracasso são carimbos
colocados sobre modos de vida diversos que transformam pessoas em cidadãos e
cidadãs de segunda classe. Em um imenso contingente assim classificado, existe
um grupo de pessoas que faz desses estigmas instrumentos de luta e de
construção de um mundo melhor. Na análise de Certau, seriam heróis e heroínas anônimas
que costuram o tecido social com bordados diferentes. Essas, provavelmente
conhecem os novos caminhos para os novos mundos. Sabem o local em que se
encontra o barro primordial que pode recriar a humanidade.
As chamadas bruxas, na Idade
Média, foram queimadas em fogueiras por portarem antigos e dissonantes saberes
que ameaçavam dogmas e instituições. As culturas indígenas e a sabedoria afro foram
discriminadas e quase destruídas pela violência da colonização. De alguma
forma, algumas pessoas redescobrem antigos saberes como novos caminhos para a
construção de uma civilização longe do domínio do lucro e do sucesso.
*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do
CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de
Jesus em Feira de Santana, BA e do grupo de pastores da Primeira Igreja Batista
em Bultrins, Olinda, PE. Também faz parte da diretoria da Aliança de Batistas
do Brasil e é membro da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil.
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e
Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone:
(71) 3266-0055.
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