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Toda prática alimenta uma boa
teoria, toda boa teoria redunda em uma boa prática, ou não existe nada mais
prático do que uma boa teoria, é o que diria o filósofo Karl Popper examinando
os fundamentos da ciência e da técnica. Mas o que dizer do lance de Ronaldinho
Gaúcho contra o Celta de Vigo na partida em que o bicampeonato espanhol foi
conquistado por antecipação? e conseqüentemente o que dizer de todo o seu
futebol? Teórico ou prático? Que conceitos ou sistemas lógicos alimentam as
suas inusitadas e perfeitas jogadas?
O Barcelona ganhou por um a zero
e o gol de Eto foi bonito e importante, mas a jogada que ganhou destaque na
mídia foi um lançamento, uma inversão efetuada do meio do campo para o lado do
gramado, onde Ronaldinho, no lado esquerdo recolhe elegantemente a bola e quase
imediatamente dá um passe preciso para Larson, na cara do gol. E novamente,
quando se trata de Ronaldinho Gaúcho, o sentimento de impotência em descrever
um lance que está acima da possibilidade de descrição. Talvez se analisarmos o
lance do ponto de vista da Física ou de outros conceitos e ciências, possamos
entender melhor o acontecido.
A bola veio alta demais e com
força demais para que teoricamente a matada de bola de Ronaldinho Gaúcho
acontecesse de verdade. Portanto, as leis da balística e a lei da desacelaração
dos corpos em movimento foi desrespeitada pelo modo como a bola foi maciamente
recolhida pela chuteira do maior jogador do mundo da atualidade. A física
clássica, as leis de Newton, não podem, por conseguinte, explicar a jogada. E o
lançamento para o Larson, depois de um corte preciso no defensor, alcançou
aquilo que o saudoso treinador Cláudio Coutinho (exatamente o técnico campeão
moral da Copa de 78) chamava de ponto futuro. E tudo isso em uma fração de
tempo que contrariava inclusive a lei da relatividade de Einstein.
A exatidão da bola nos pés de
Larson (no exatíssimo ponto futuro) que não se pode haver com as ciências
exatas deve procurar nos mistérios religiosos, no esoterismo, a sua base
teórica. Não foi realmente um passe, mas uma profecia, um vaticínio, uma
antecipação misteriosa de fatos e eventos através de métodos transcendentais,
fora do alcance dos meros humanos. Mas a exatidão do lance contraria até mesmo a
proverbial dubiedade dos oráculos, a necessária ambigüidade da advinhação.
Aliás, de Ronaldinho Gaúcho,
Pelé, o principal deus do futebol, chega a afirmar que o mesmo faz jogadas de
que ele próprio não era capaz. Portanto, o referido jogador estaria acima da
onisciência e da onipotência dos deuses. Só não teria sido ainda castigado
pelos deuses gregos, porque os mesmos, apesar da inveja e da certeza de que o
mesmo teria cometido a famosa hybris,
ou seja, ultrapassado a medida destinada aos mortais, quedam-se extasiados com
a grandeza do seu futebol e também temem que a habilidade de Ronaldinho
desmoralize o tártaro e seus mitológicos castigos.
Porque, pelo futebol que está
jogando, Ronaldinho Gaúcho seria capaz de driblar a águia do rochedo de
Gibraltar e impedir que a mesma devorasse eternamente o fígado de Prometeu,
rolaria montanha acima a enorme pedra de Sísifo, à base de embaixadas, e
iludiria com dibles inusitados frutas e água para alimentar e dessedentar a
necessidade de Tântalo. E assim, Ronaldinho vai jogando o seu futebol herege e
profano, para delírio de multidões e adeptos.
Larson recebeu o passe perfeito e
perdeu o gol. Não por falta de sorte ou habilidade, mas porque tinha de ser
assim. A perfeição da jogada não poderia ser contaminada com a mediocridade do
gol. Porque depois de Ronaldinho Gaúcho, o gol, essa monótona moeda de valor do
futebol, passou a ser medíocre e questionado. Se houvesse outros critérios de
decisão, o Barcelona ainda seria o campeão, mas o placar de cada partida seria
totalmente diferente e mais exuberante. Cinco assistências perfeitas a zero,
quatro lençóis a um, seis dribles maravilhosos a dois. Ou então, mesmo quando o
placar fosse apertado, o Barcelona sempre ganharia, sem nunca sofrer revés,
pelo critério diferente de jogada genial indescritível. Uma jogada genial
indescritível a zero ou, no máximo, duas jogadas geniais indescritíveis a zero,
somente, mas o bastante para garantir o espetáculo e aumentar em muito o número
de aficcionados.
Cientista, profeta, blasfemo ou
artista, não importa bem o que Ronaldinho Gaúcho seja de fato. Além da teoria e
da prática está todo o seu futebol e a certeza de que existem verdades
absolutas fora da ciência, da religião e da arte. Mais ainda, a certeza de que
só existem verdades absolutas nos pés e nas chuteiras cósmicas desse
extraordinário jogador.
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