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Segundo seu
Madeira, o melhor time de futebol de todos os tempos foi a seguinte formação do
Maravila F. C., que todos os moradores sabem de cor e salteado de tanto ouvi-lo
recitar, naquele honroso e consagrado quatro dois quatro que ninguém quer mais
usar: Terêncio, Biuzão e Magela. Loureiro e Genival. Rubenírio e Aratunga.
Roído, Rapaz, Biu do Efeito e Caçula. O
técnico era Aroeira. Roído era o seu endiabrado ponta direita. Roído era doido,
nos diz seu Madeira, perdia o gol mas não perdia o drible, perdia o campeonato
mas não perdia a molecagem. E a torcida adorava Roído. Seu Madeira fala de uma
conversa que presenciou entre Roído e o Biu do Efeito:
– Por que não
deu o banho de cuia antes de fazer o gol? – perguntou Roído – o camarada tava
no ponto... E Biu do Efeito retrucou: – E se eu perdesse o gol? Aí Roído saiu-se com as dele: – Era só um
gol. Pois sempre, depois de suas armações, algumas hilariantes, quando o
pessoal tentava reclamar ele respondia: “É só um jogo”, ou então “é só um
campeonato”, ou “foi somente um pênalti.” Pois para Roído a vida era melhor do
que o jogo, o jogo era melhor do que o título, o drible melhor do que o gol e a
brincadeira e a alegria melhor do que tudo.
Conhecendo o
Roído, o seu grande futebol e o seu gosto por presepadas, o pessoal tinha o
maior cuidado. Ninguém gritava “segura a bola” porque Roído segurava e se fosse
dentro da área era pênalti. Ninguém gritava “segura o homem” porque Roído segurava
e se fosse dentro da área era pênalti. Aliás, depois de algum tempo, ninguém
gritava nada, ninguém falava nada, ninguém
respirava perto do Roído, com medo do que podia vir.
Roído
detestava zero a zero. Depois dos trinta minutos do segundo tempo de uma
partida com placar em branco, o técnico Aroeira o substituía porque todo mundo
sabia que Roído era capaz de fazer gol contra para evitar a desonra e a
nulidade do zero a zero. Também detestava gol feio. Gol feio para ele não era
gol, era um arroto, uma meleca, um palavrão, como costumava dizer. De certa
feita, quando o goleiro do Ipiranga chutou o tiro de meta e a bola batendo no
zagueiro desviou inadvertidamente na direção do gol, Roído correu como um doido
até dominar a bola e pará-la sobre a marca de cal. Quando os desanimados
zagueiros se aproximaram, quando os companheiros já comemoravam, Roído virou de
lado e deu um chute para o meio de campo. Um gol daqueles seria uma meleca, não
seria um gol. Quanto a gol bonito Roído comemorava até do adversário. Era
esquisito ver Roído pular depois de levar um gol. Mas pulava. Não era todo gol,
mas tinha gol que ele pulava mesmo.
Roído mancava
ligeiramente de uma perna, mas não havia driblador igual a ele. Garrincha
driblava só para a direita, mas Roído driblava para a direita, para a esquerda,
para o meio, para cima, para baixo, para frente, para trás e para onde mais ele
quisesse.
O sonho de
Roído era fazer um gol de bicicleta no finzinho do segundo tempo em uma partida
empatada e olhe que ele tentou. A bola bateu na trave, passou perto, o goleiro
pegou ou outra coisa mais. Um belo dia, decisão de torneio início contra o
Ipiranga, sempre o Ipiranga, finzinho do jogo, zero a zero, a bola sobra limpa
e linda para Roído dentro da área e ele consegue a bicicleta perfeita. O
goleiro se estica todo, mas não consegue deter a glamurosa. O problema era que
a área era do time dele, do Maravila, e o gol foi contra. Mas Roído, no que ele
confessava sempre que havia sido o melhor momento de sua vida, pulou em grande
estilo de comemoração e correu para abraçar os jogadores adversários. “É só um
torneio”, explicou, mas o pessoal demorou a perdoar e o técnico Aroeira o
barrou por duas partidas.
De volta aos
gramados, Roído, feliz, apaziguado e com saudade da dengosa, estava jogando
mais do que nunca. Mas, incorrigível, continuava driblando e armando
presepadas, para delírio e felicidade da torcida passada, para eterna
felicidade de seu Madeira e da torcida presente em torno dele, e para a
solitária indignação de Paranísio que, socialista convicto, declamava monótona
e destoantemente alguma coisa como se colocar sempre inventividade e
criatividade a serviço unicamente da solidariedade.
(Esse texto se encontra no livro “Vila
Maravila: um lugar diferente e cheio de graça”. O livro pode ser adquirido em
contato com o autor ou na Livraria Nobel, Av. Maria Quitéria, 2013, Feira de
Santana – BA. Da mesma maneira você pode encontrar o segundo volume: “Vila
Maravila: gols de esperança no campo da vida”).
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