Encontro as palavras perdidas
quase sempre debaixo do tapete, mas dessa vez precisei revirar a casa toda.
Primeiro, procurei ver em cima da
mesa, disfarçada entre correspondências, jornais, revistas e livros, para ter
que procurar nos quartos, em cima do travesseiro, adormecida, ou debaixo da
cama, conseqüência de queda no meio da noite, mas não se encontrava lá.
Sempre havia a possibilidade da
palavra estar na dispensa, passando despercebida entre os vinhos, ou mesmo
entre os enlatados para consumo rápido, ou pendurada no rótulo de qualquer
coisa, mas depois de uma busca cuidadosa não a encontrei.
O problema de se perder a palavra
é que só sabemos que palavra é quando encontramos, tendo apenas uma vaga idéia de
sua aparência. Com certeza não era uma dessas super-palavras, um “superlativo
sintético absoluto”, ou qualquer polissílabo interminável, ou verbo anômalo ou
defectivo, ou qualquer esdrúxulo substantivo hiper-abstrato, mas uma palavra
banal, possivelmente uma preposiçãozinha corriqueira ou, no máximo, uma
conjunçãozinha coordenada.
Era o jeito procurar no
congelador, onde guardo palavras arcaicas, locuções adverbiais complexas, e
outras linguices mais, na esperança de encontrá-la mesmo que macambúzia, tiritante
na friagem polar artificial, empalidecida por trás de qualquer bloco irregular
de gelo. Mas, nada.
Na cozinha, havia um cheiro de
palavras um tanto ou quanto queimadas, resquícios da crônica que precisei
fritar tarde da noite. Ainda recuperei, na lata de lixo, uma palavra quase
perfeita, somente um pouco chamuscada, no meio de outras viradas em cinza,
ponto de cocção ultrapassado pelo apressamento da tarefa. Mas a palavra
buscada, a precisa palavra, precisada palavra para a crônica do dia, não se encontrava
em nenhum desses lugares.
Então, é preciso admitir o
fracasso e adiar os escritos, na esperança de que a palavra surja
inesperadamente ali à frente, ou que, redobradas as buscas, confirme-se que o
lugar improvável é o único local possível de se encontrar o que se perde. Ou,
dito de maneira diferente, não adianta aumentar as buscas se não se procura no
único lugar onde se perdeu. Ou ainda, posso percorrer toda a casa, examinar
ladrilho por ladrilho, multiplicar a procura por toda a cidade, mas a palavra
só estará nesse único local, banal ou surpreendente.
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