domingo, 13 de março de 2016

A IGREJA, A BÍBLIA E A ÉTICA: HOMOSSEXUALIDADE NA IGREJA BATISTA DO PINHEIRO


Quando terminou a votação, a Igreja encerrou um longo processo deliberativo e abriu um longo caminho de reflexão. Participamos exultantes da alegria dos irmãos e irmãs homossexuais da Igreja Batista do Pinheiro, que finalmente poderão ser batizados, e sabemos o que isso significa para milhares de cristãos, dentro das igrejas ou fora delas, formalmente libertados de um estigma. Porque a questão era nimiamente formal e institucional: a assembleia tinha o poder de proibir os irmãos ou irmãs de serem batizadas, mas não poderia proibi-los de crer em Jesus Cristo e de amar a Deus. Em outras palavras, por mais forte que seja, a instituição não tem controle sobre a subjetividade, e a liberdade de crer só pode ser cerceada formalmente.

A história é um livro de diversos gêneros literários e a assembleia extraordinária de 28 de fevereiro de 2016 tem um quê de lirismo, típico final feliz de uma trama novelesca que se desenvolveu por dez anos. Tantas lutas de tantos nomes, incluindo o do pastor Wellington e da pastora Odja, sempre intensamente envolvidos em pautas de busca por um mundo menos injusto e mais igualitário. As canções que cabem nesse momento são hinos de celebração com refrões que convidam a uma ação responsável e consistente.

Todo final feliz encerra períodos de dores e de alegrias, de avanços e recuos, de sentimentos de desânimo e de esperança. Na densidade dos acontecimentos, pessoas vão mostrando faces desconhecidas, súbitas irrupções de atitudes nunca esperadas, causando conflitos talvez desnecessários. Do mesmo modo, outras vão crescendo e se descobrindo como capazes de inesperada generosidade e da capacidade de repensar valores calcificados, pedras duras usadas como armas de agressão sobre vítimas diversas, abrindo-se pouco a pouco para a ternura do abraço acolhedor.

Mas todo final feliz é um novo começo de lutas e todo encerramento de pauta é um convite para outras mais. A história da Igreja Batista do Pinheiro torna-se lugar de pelo menos três questões históricas que precisam ser encaradas com determinação. A questão ética, em que a sexualidade ocupa lugar proeminente, a questão teológica, com a Bíblia precisando de acesso hermenêutico menos danoso, e a questão eclesiológica, tendo em vista os processos administrativos de inclusão ou exclusão.

No âmbito eclesiológico, a Igreja do Pinheiro agiu como igreja local, na tradição batista, em um processo lento mas eficaz, com todas as prerrogativas democráticas respeitadas. Uma decisão de tal teor, tomada por uma comunidade consciente e comprometida, desautoriza autoritarismos manipuladores, como também desmascara desculpas acomodadas de líderes que não se dispõem a gastar energia e tempo necessários na direção de mudanças importantes.

Investir em teologia é investir com todo o vigor em estudo bíblico. Isso significa também esforço intelectual e coragem moral para dentro de uma espiritualidade séria admitir e enfrentar os problemas advindos da leitura dos textos. Todo fundamentalismo é demoníaco por não ter compromisso nenhum com a verdade que defende. Não querer encarar as questões teológicas não é sinônimo de piedade, quase sempre interesses outros, alguns muito escusos, regem a forma como se interpreta a Bíblia. Raramente a seleção de textos segue os mesmos critérios diante de diversas circunstâncias.

Finalmente, a questão ética, de uma complexidade inesgotável, parece sempre desembocar na questão da sexualidade. Teoricamente consideramos outros valores como maiores, mas na prática cotidiana e especialmente na prática religiosa, a sexualidade tem um poder de atração irresistível. A decisão da Igreja Batista propõe implicitamente a sexualidade como um direito humano e admite a diversidade com que o amor se apresenta na experiência humana. Batizar um homossexual, assumido como tal, é reconhecer-lhe todos os direitos eclesiásticos e administrativos, como votar e ser votado.

Na tradição batista isso significa muito mais do que podemos imaginar. Com o batismo, ele deixa de ser um cristão de segunda categoria, podendo agora ser visto apenas a partir de sua contribuição pessoal para os destinos e propósitos da comunidade à qual pertence. Pode ocupar qualquer cargo eletivo, para exercer funções que a igreja requeira. Na tradição batista, isso significa o direito de ser zelador, ministro de música, ou pastor, se a igreja assim o quiser. Cumpridos os requisitos, ninguém poderá questionar a sua vida amorosa ou sexual, será eleito por motivos maiores, habilidade funcional, afetividade nos relacionamentos com os irmãos e irmãs, compromissos com o Reino de Deus, com a oração e com o estudo da Bíblia. Esses são os grandes valores para uma igreja; todo mundo sabe, mas age como se não soubesse.



Um comentário:

  1. Quando a igreja trilha o Caminho estreito do amor, questões que pareciam relevantes se tornam obsoletas.
    Parabéns por saberem olhar para o indivíduo por trás da sua sexualidade.

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