domingo, 15 de novembro de 2015

OS ACONTECIMENTOS DE PARIS

aereo
 Marcos Monteiro

Os acontecimentos de Paris são o resultado de mais um atentado da humanidade contra a humanidade. O terrorista que corta a cabeça de um refém e o estadista que dispara um míssil contra o automóvel que transporta o outro são incluídos nos mesmos noticiários. De algum modo consideram-se essas ações encadeadas e estadistas e terroristas estão juntos nessa espiral de violência que produz vítimas por todo o mundo.

Responder ao terror com mais terror tem se mostrado tão insensato quanto apagar fogo com gasolina e somente tem conseguido espalhar mais insegurança e mal-estar por todas as partes do planeta. Manter a esperança em um mundo melhor passa a ser exercício corajoso e enfrentamento crítico das condições que provocam essa incapacidade da civilização de se parir a si mesma.

Perplexidade e desespero são cada vez mais os sentimentos naturais e o cotidiano precisa o tempo todo de lugares em que possamos esconder a vida debaixo do tapete. A cultura de massas multiplica as ofertas de festas e de artefatos e encena uma outra vida que não essa vidinha monótona de cada dia. Nesse outro lugar, um outro de nós mesmos exibe para uma multidão de outros e outras um sorriso escancarado e uma alegria que na primeira oportunidade escorre por entre as brechas do nosso sentimento de inadequação.

A inquietude que levamos no olhar é resultado de não sabermos para quem ou para onde olhar. Otimismo e esperança tornaram-se objetos tão antigos que não temos mais acesso às instruções de como manuseá-los. Repetir os mesmos erros parece às vezes melhor do que inventar novos e conjugar o verbo esperançar como propõe Paulo Freire parece tarefa quase impossível, pelo menos no presente e futuro do indicativo.

Entretanto, a esperança é imperativo existencial, como mais uma vez nos lembra Paulo Freire, e treinar o olhar para enxergar além da evidência se impõe como necessidade urgente e tarefa cotidiana. O desfile de imagens da catástrofe de Paris propugnado pelos meios de comunicação nos convida de imediato às atitudes de empatia e compaixão, sem as quais é impossível estabelecer sociedade, mas também a uma análise criteriosa dessa civilização global em suas contradições. Uma declaração de guerra ao terror que acompanha as imagens coloca todo o planeta em estado de sítio, exatamente porque o terror não tem fronteiras.

Um atentado e uma declaração de guerra têm sempre assinaturas o que faz a violência anônima, quotidiana e estrutural ficar em segundo plano, embora as estatísticas sejam assustadoras. A violência em tempos e lugares de paz é muito maior do que a violência da guerra e as vítimas do sistema não são consideradas. Desigualdades, opressão, injustiça, exploração e discriminação são raízes invisíveis dos espinhos que se espalham por toda a parte e tudo isso é estrutural, mas raramente se raciocina desse modo, até porque dentro dessa lógica, estadistas e terroristas estão mais próximos do que desejaríamos.

Interessante de notar como, editando imagens e notícias, os meios de comunicação editam também os nossos sustos. A partir de hoje, por causa dos terroristas, torna-se inquietante assistir a uma partida de futebol, ir a um espetáculo musical ou simplesmente caminhar pelas ruas, em Paris ou nas grandes cidades do mundo. Entretanto todas essas atividades em si mesmas já geravam certa inquietação, dadas cenas de violência que acontecem repetidamente em lugares assim. Mas houve uma cena realmente assustadora que não causou tanta repercussão.

A imagem é a de um automóvel destruído por um míssil lançado de um avião não tripulado. Um estadista norte-americano autoriza a destruição de um terrorista árabe, com a garantia do serviço secreto que dava como praticamente certa a presença do mesmo no carro. Não nos informam sobre os outros passageiros ou passageiras e não nos advertem sobre esse imenso poder de alguém ter a capacidade de causar destruição a distâncias intercontinentais a partir de informações quase precisas. Também isso é um atentado da humanidade contra a humanidade e dirigir um automóvel em qualquer lugar da terra pode nos tornar alvos de operações de guerra, especialmente se formos confundidos e classificados como terroristas.

Em Paris há dores demais e sofrimentos demais para que não nos sensibilizemos. Mas precisamos todos e todas mudar as raízes do mundo em que vivemos. As dores que sofremos não são dores de parto. A estrutura capitalista em que estamos mergulhados não é o útero de um mundo melhor, mas o calabouço de nossas melhores motivações e de nossos maiores ideais.


3 comentários:

  1. Amigo, só tenho dores a compartilhar... Triste o mundo em que estamos. Obrigada pela reflexão.

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  2. Enquanto ELLES brincam de Guerra,nós trabalhamos dia à dia por Igualdade Liberdade e Fraternidade.

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  3. Tão difícil fazer a reflexão sobre guerra e paz. A humanidade está doente, contaminada com tantos "ismos" de A a Z: animalismo, autoritarismo, afanismo, antidemocratismo, autofagismo, anomalismo, charlatanismo, coisismo, cinismo, ceticismo, covardismo, conservadorismo, capitalismo, consumismo,egoísmo, fascismo, fanatismo, machismo, militarismo, miopismo, nevralgismo, obscurantismo, parasitismo, peleguismo, pseudobrasileirismo, politiquismo, reacionismo, retrogradismo, visionismo, terrorismo, xenofobismo...que já nem sei mais se acharemos a cura para tantos males...

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