sexta-feira, 13 de março de 2015

O DIA SEGUINTE



conversafiada
Marcos Monteiro

No dia 16 de março a Rede Globo começa uma nova novela de horário nobre, um dia depois das manifestações marcadas para domingo. Produtora de novelas premiadas mundialmente, a Globo é a difusora maior no Brasil da sociedade do espetáculo, em que a aparência e o simulacro são o que realmente importa. Entender a novela “Brasil” produzida diariamente por essa emissora especialmente não é tarefa fácil e somente na segunda-feira, talvez, possamos saber se as manifestações de domingo são parte de uma tragédia ou de uma comédia.

Talvez eu tenha vivido demais ou de menos para ter capacidade de compreender o momento atual. Tenho mais de sessenta anos e menos de quinhentos, e um acontecimento torna-se mais compreensível com o distanciamento histórico. Talvez o século XXI seja para a história da humanidade o equivalente do que significou o século XVI, por exemplo. Mas não temos ainda como saber. O jogo político e econômico jogado agora tem elementos complexos e obscuros e as lições do passado parecem insuficientes para um bom esclarecimento da situação presente.

Por tudo isso, o nosso posicionamento vai ter o gosto da perplexidade e do direito de levantar questões.

As manifestações de domingo próximo começaram como uma brincadeira de criança, um joguinho na internet, que foi tomando proporções drásticas com a possibilidade de se tornar parte daqueles jogos virtuais em que os jogadores correm riscos. Tem sido alimentada por estranhos pronunciamentos e por difusão de boatos e a imprensa conservadora gostaria muito de explorar tais manifestações. Segunda-feira saberemos a quanto estamos.

Por outro lado, é impossível minimizar a insatisfação popular espalhada por todos os cantos, legítima e estranha ao mesmo tempo, tenha sido estimulada ou não pelos meios de comunicação. O mal estar e sentimento de desconforto é próprio de uma sociedade capitalista que promove e premia o individualismo, a competição e a desigualdade, enquanto acena para um conforto e bem estar sem precedentes. Tipo de organização social que nunca consegue cumprir suas promessas.

Canalizar essa insatisfação generalizada e sistêmica para um governo e um partido com os seus equívocos é tarefa relativamente fácil, mesmo sendo estranho que boa parte dos indignados têm sido os mais beneficiados por medidas e providências que promoveram uma maior inclusão social. A intervenção oportunista  de grupos conservadores é algo esperado. Mas não sabemos ainda se estamos diante de uma conjuntura tipo anos sessenta em que a batalha de manifestações nas ruas entre progressistas e conservadores alimentou um golpe militar e uma ditadura.

Não sabemos de boa parte do que acontece nos bastidores do espetáculo. Mas sabemos que a Rede Globo não é bem uma central de informações, mas uma difusora competente de teledramaturgia nada ingênua. Toda a sua programação, incluindo os telejornais, são peças teatrais bem construídas. Detendo a hegemonia da comunicação no país, consegue a contratação dos melhores atores.

Um jornalista da Globo é na verdade um excelente ator, contratado para repetir um texto que não lhe pertence, e para assumir a postura e o tom de voz adequados a uma emoção que pertence à personagem que representa. Sua pose de indignação ou o seu riso discreto são as garantias de seu excelente salário, funcionário privilegiado e ator estratégico dessa antiga novela.

Não sabemos ainda a força das manifestações do próximo domingo, mas sabemos que serão parte da produção de novelas da Globo, o que nos deixa um tanto apreensivos. A competência de produzir teledramaturgia dessa emissora, me leva a imaginar que ela deveria algum dia fazer uma novela sobre a própria Rede Globo. E para ser sucesso total, deveria garantir um final feliz para todos os vilões. 


*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também é um dos pastores da Primeira Igreja Batista em Bultrins, Olinda, PE e é membro da Fraternidade Teológica Latino-Americana e da Aliança de Batistas do Brasil.

CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055.


Nenhum comentário:

Postar um comentário