segunda-feira, 9 de março de 2015

TROCANDO DE CELULAR




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Marcos Monteiro

Precisei mudar o celular porque o antigo tem teclas que não funcionam e há quase dois meses adquiri um novo com três mil oitocentos e quarenta e sete funções das quais já aprendi a usar duas. O ano tem cinquenta e duas semanas. Então, nesse ritmo, aprendendo uma função a cada três semanas, fiz os cálculos à caneta, precisarei de duzentos e vinte e seis anos para aprender todas as funções. Uso o celular especialmente para telefonar, mas até agora não aprendi nem a ligar nem a atender. Mas continuo tentando aprender a usar o aparelho.

Consulto o manual com atenção e quando penso que estou perto de configurar data e hora, a lanterna acende. Tentei agendar o despertador e irrompeu uma voz grave, antiga, cantando “Eu não sou cachorro não” e quando tentei tirar uma foto do ambiente irrompeu na tela um vídeo com Aécio bêbado, e uma voz suave ao fundo, “não bote o dedo na minha cara, tchê”. Quando achei que iria conseguir um “selfie” apareceu uma radiografia da minha caixa torácica. Bem, exceto por uma mancha que ocupa quase dois lóbulos inteiros e uma série de pontinhos pretos no dito cujo e suas adjacências, foi bom perceber que o meu pulmão está perfeito.

Foi aí que o meu dedo deslizou em algum lugar e apareceu o barulho de uma sirene policial e um letreiro luminoso piscando na tela: “Você deseja mesmo disparar uma bomba nuclear?”. Pensei um pouco e respondi que sim. Então ele me perguntou os três primeiros números do meu CPF, o nome do meu pai, o nome de minha mãe, a cidade em que nasci, o dia o mês e o ano do meu nascimento, e a tudo respondi pausadamente. Então na tela apareceu a mensagem em letras garrafais: “INICIANDO A OPERAÇÃO HECATOMBE FINAL”
.
Fiquei aguardando e de repente apareceram no meu celular vozes diversas. Uma parecia de chinês, ou de japonês, outra de alemão, outras de francês, espanhol, italiano, também línguas estranhas e por fim um inglês bem pronunciado que parecia a voz de Barack Obahma e dizia claramente: “I,m fucked”. Depois de um bocado de barulhos que pareciam mais estática do que outra coisa entrou um pedaço da quinta sinfonia de Beethoven e uma nova mensagem: “OPERAÇÃO CANCELADA”.

Fiquei um pouco frustrado, mas pelo menos era bom saber que o sistema antiterrorismo às vezes funciona. Mas abortada minha tentativa de guerrilha virtual, o jeito era continuar procurando entender as tantas funções. Então me veio um pensamento: se eu estava irritado e meio impaciente com o celular, essa bendita máquina talvez estivesse à beira da exasperação e então apareceu a nova mensagem de tela: NÃO AGUENTO MAIS ESSE USUÁRIO. TROCAR IMEDIATAMENTE DE SER HUMANO.


Um comentário:

  1. Essa é boa! Bem-vindo ao mundo dos Androides, qualquer aplicativo para nos tornar um pouco mais primitivo e natural vai nos forçar a reaprender a sermos o que um dia fomos, acho eu, pelo menos li em alguns livros e filmes e histórias, quando a vida era infinitamente mais simples em várias área e mais prazerosa de viver, se minha infância de rua era primitiva, eu gostava muito, agora "sobrevivo também através de aparelhos". Rs, abraço Marcos.

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