terça-feira, 30 de setembro de 2014

QUEM ESTAMOS ELEGENDO QUEM

Marcos Monteiro*

Participei de outras eleições presidenciais com mais empolgação. Nessa, entre outras coisas, quem somos e quem elegemos nos convidam a uma série de reflexões. Somos uma sociedade democrática em um processo de escolha transparente de candidatos que teremos o privilégio de escolher, especialmente a dirigente máxima dos destinos de nosso país, o que configura o maior momento de nossa cidadania responsável. Essa afirmação, tão evidente nas nossas falas, está permeada de dubiedades e de problemas escamoteados pelo jogo em que se constitui o processo eleitoral.

Não é necessária uma análise mais profunda para desconstruirmos todo esse discurso. Não somos uma sociedade tão democrática, o processo de eleição é muito pouco transparente, não temos tanto direito assim de escolha, portanto não seria o eleitoral o momento máximo de exercício de cidadania. Somos uma sociedade heterogênea, poliárquica, amorfa, despolitizada, mesmo quando estamos em movimentos de rua. E o modo como a estrutura econômica tenciona o nosso pensamento e nossas posições colocam sob suspeita a maioria de nossos bons pensamentos e bons sentimentos. Não acredito em nenhuma democracia dentro de um sistema capitalista.

Nessa estrutura, o processo eleitoral é um jogo de cartas marcadas. Isso não é nenhuma teoria conspiratória nem uma afirmação determinista irresponsável. Qualquer jogador sabe que não se precisa marcar todas as cartas para ganhar, mas conhecer as marcas oferece uma enorme e desleal vantagem diante dos adversários.

Vou votar em Luciana Genro para presidente, seguindo a orientação do partido a que sou filiado, o PSOL, mas fazendo isso com satisfação e sem constrangimento. O jogo de cartas marcadas já garantiu que minha candidata não se elege, porque o povo que poderia elegê-la não tem acesso às marcas. Curiosamente, isso faz com que a minha candidata tenha uma liberdade de opinião e de posicionamentos que os candidatos elegíveis não têm.

Nenhum candidato elegível pode defender a taxação das grandes fortunas, a descriminalização do aborto, a liberação da maconha, o direito ao casamento por casais homossexuais, porque essas bandeiras, que deveriam estar numa pauta honesta de discussão e são do interesse da maioria da população, das classes trabalhadoras e dos setores de excluídos do processo social, contrariam interesses econômicos, políticos e religiosos, exercidos por uma estrutura elitista e excludente.

Mas, é como se Luciana Genro não fosse candidata. Não há espaço nem oportunidade para se conhecer mais sua trajetória política e suas propostas de governo. Até porque o partido não aceitando financiamento de empresas, somente de pessoas, se dispõe a uma coerência que dificulta mais ainda essa difusão de informações garantida pelo poder dos grandes grupos econômicos. Por outro lado, isso mostra imediatamente como o jogo eleitoral é viciado. É senso comum que sem dinheiro (e muito dinheiro) não se ganha eleição.

A quantidade de dinheiro que circula a cada ano eleitoral é de um montante assustador, gasto feito em material de propaganda, mas especialmente em acordos que garantem votação, quando não diretamente em compra ilegal de votos. O problema maior é que a fonte que financia as campanhas, os grandes conglomerados econômicos especialmente, considera isso um grande investimento que será cobrado imediatamente depois das eleições.

Na prática, o financiamento das campanhas é feito pela iniciativa privada, mas quem paga as contas, direta ou indiretamente, são os cofres públicos. O jogo político se constitui assim como uma mercadoria de grande valor, pertencente como qualquer outro jogo à sociedade do espetáculo, objeto de especulação que visa o lucro. A corrupção, desse modo, não é um elemento estranho a todo esse sistema, mas o próprio miolo do mesmo, desgaste que trava a máquina administrativa e desvia recursos e objetivos pertencentes por direito à sociedade.

Portanto, volta a pergunta inicial. Quem estamos elegendo quem? Quem somos e quem elegemos? Com toda a certeza, enquanto povo, não somos os atores principais desse espetáculo nem escolhemos os atores de que realmente gostamos. A peça teatral que encenamos chamada democracia, governo do povo, pelo povo e para o povo, é de qualidade duvidosa, embora não seja nem uma tragédia nem uma comédia. Provavelmente, uma farsa.

Feira de Santana, 30 de setembro de 2014


*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA e do grupo de pastores da Primeira Igreja Batista em Bultrins, Olinda, PE. Também faz parte da diretoria da Aliança de Batistas do Brasil e é membro da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil.
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055.

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