segunda-feira, 4 de novembro de 2013

A PALAVRA PROFÉTICA E AS SITUAÇÕES DE CRISE - I REIS 20 ( V)

cancaonova

O capítulo 20 do primeiro livro de Reis é a narrativa, com cores de história popular, das relações desses profetas anônimos com um momento concreto da história do rei Acabe. É a história da palavra profética pronunciada em um momento de crise e de suas inesperadas consequências. Dividimo-la em seis pedaços, cada um com um título meio folhetim, para manter o seu sabor popular.


APLICAÇÃO

Todo texto é rico de significados o que nos possibilita múltiplas aplicações. Para colhermos algumas,  queremos partir  da imagem da igreja como comunidade profética e como comunidade de profetas. É visível no Novo Testamento essa linha de continuidade entre a igreja e os profetas e a comunidade dos filhos dos profetas ou dos irmãos-profetas do Velho Testamento nos fornece uma imagem muito sugestiva para a nossa reflexão.

Como aquela comunidade, somos os irmãos que partilham o pão e a palavra do Senhor, agora a partir dos novos significados trazidos por Jesus. Não estamos examinando aqui o dom de profecia, dentro do significado do Novo Testamento, como um dos dons específicos de algumas pessoas da comunidade. Mas, a comunidade toda, enquanto comunidade profética, onde todos partilham essa intimidade da palavra do Senhor, onde todos desfrutam do Espírito do Senhor.

Dentro dessa perspectiva, podemos enfatizar a relação entre o profeta e a palavra profética. A palavra profética é maior do que o profeta. A palavra invade, move, configura, desfigura e transfigura o profeta. Nessa relação,  o profeta, às vezes, torna-se até anônimo, insignificante profeta diante de uma palavra que o ultrapassa. Portanto, uma igreja profética é uma igreja invadida, movida, configurada, transfigurada e, se necessário, até desfigurada pela Palavra.
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Em relação ao tempo, o profeta tem os pés no passado, as mãos no presente e os olhos no futuro. Ele é o guardião da tradição e protege os marcos teológicos, como a Torah, o Sinai e o pacto, não permitindo que os mesmos sejam desrespeitados ou esquecidos.  No entanto, ele cuida das questões presentes, sua mensagem é sempre nova, permanente, atualizada, na antevisão do tempo futuro. Ele perscruta os horizontes do depois, para não ser surpreendido e para trazer sentido para os fatos do presente e do passado.
                       
Como comunidade profética, a igreja é a guardiã do passado sem ser tradicional ("A tradição é o esquecimento das origens") é fabricante do presente histórico sem ser pragmática e é desvendadora do futuro sem ser escapista. Nela, passado, presente e futuro, encontram-se e reencontram-se em diversas circunstâncias e múltiplas combinações,  sob a regência maior da Palavra.

A fonte da palavra profética é a mística. O profeta rompe as cadeias da religião formal na busca da intimidade com Javé. E é essa mesma intimidade que torna a igreja comunidade profética. Mística não significa irracionalidade, mas a percepção de que as fontes da vida estão além do entendimento. A mística sadia não rompe a estrutura da razão, mas a ultrapassa.

Por último, como comunidade profética, a igreja maneja uma palavra de dupla face. A mensagem da igreja é bênção e maldição, anúncio e denúncia. Também a igreja não se permite a banalização das palavras e não tem nenhum consolo para o opressor enquanto opressor. Deseja a conversão de todos, mas não pode omitir a palavra de juízo diante da exploração e agressão desumanizantes.

Uma comunidade profética é uma comunidade que fala, que tem o que dizer, e que não reconhece o espaço-limite do "sagrado" para os seus pronunciamentos. Uma face dos seus pronunciamentos é agradável, mas a outra é desagradável. E se os seus pronunciamentos, muitas vezes, soam como invasão de espaços, ela prefere invadir em obediência ao Senhor das palavras, do que cair nesse jogo de meias-palavras, conveniente e oportunista que não incomoda ninguém.
                       
BIBLIOGRAFIA

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SCOTT,  R.  B.  Y.  Os profetas de Israel - nossos contemporâneos.  S.  Paulo:  ASTE,  1968.
TILLICH,  Paul.  Teologia sistemática.  S. Paulo:  Paulinas,  1984.
THE BROADMAN BIBLE COMMENTARY,  v. 3.  Nashville:  Broadman,  1970.


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