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*Marcos Monteiro
O ocultamento de palavras é a
tarefa mais sutil da estrutura de desinformação em que vivemos. A palavra
“socialismo”, como venho repetindo, praticamente desapareceu do nosso
vocabulário, podendo se tornar termo arcaico em dicionário de etimólogos. Em
consequência, desaparece também a palavra “capitalismo”, tornada no ar que
respiramos sem perceber, totalidade que nos move e em que nos movemos,
estrutura invisível que distorce nosso modo de ser, individual e coletivamente.
Esse sequestro intencional de
vocábulos atinge outros sítios relativos e ajuda a formar uma política de
mascaração de realidades às vezes gritantes. A mais atordoante talvez seja a
“reforma agrária”. Não pertence à pauta da mídia atual, nem mesmo à da esquerda,
a situação do homem do campo e a lentidão com que a estrutura fundiária do país
se move em direção de uma distribuição mais justa.
Metade das terras agrárias do
Brasil ainda pertencem a um por cento dos proprietários rurais. O resto,
noventa e nove por cento, divide a outra metade. Concentração brutal de terra,
de renda e de poder, que cada vez menos incomoda um mundo totalmente
urbanizado. Estatisticamente irrelevante, a população do campo pode facilmente
ser esquecida por todos e todas. Quilombolas e indígenas fazem parte dessa
população invisível que têm como única arma a capacidade de gritar.
As estratégias dos movimentos de
agricultores, especialmente do MST, têm se caracterizado por insistir na busca
de uma visibilidade via mobilizações e ocupações que se tornaram respeitadas ao
longo do tempo. Os setores que controlam a informação, cansados de tentar um
enfrentamento direto, optaram pelo silêncio, pelo escamoteamento e sequestro
das palavras que orientam esses organismos.
Fala-se muito da necessidade
urgente de reformas no Brasil. Reforma política, tributária, urbana ou qualquer
outra. A reforma agrária, talvez a mais antiga das apregoadas reformas
necessárias, tem sido tratada como uma idosa senil com quem não se dialoga.
Curiosamente, a reforma agrária
talvez seja a mais capitalista de todas. Move-se na lógica da propriedade
privada e os principais países capitalistas do mundo já fizeram a sua reforma,
evitando assim cartéis e latifúndios que impedem políticas e atitudes mais
benéficas para todos e todas. Antes da invasão europeia não havia necessidade
de reforma agrária. Essa necessidade se estabelece imediatamente com a chamada
colonização, procedimento feito de cima para baixo, de fora para dentro do
país.
Assim que se estabeleceram nessas
terras, nossos antepassados invasores se tornaram automaticamente proprietários
desse imenso continente, pelo internacional Tratado de Tordesilhas, que dividia
as terras entre Portugal e Espanha, e que havia sido firmado sem nenhum
representante dos nativos que não se sabiam sem direito às suas terras. Do
Tratado de Tordesilhas às Capitanias Hereditárias, a situação da terra se
complicou pelo nome de herdeiros e herdeiras dos grandes proprietários iniciais
e outras confusões conhecidas em termos de demarcação e posse de terras.
Curiosamente, quando viajamos
pelo país, nos deparamos com camisas, bandeiras e outros símbolos do MST.
Acampamentos e marchas acontecem com a força de quem já domina suas armas de
combate e impede a sua invisibilidade total. O silêncio da mídia, a ausência do
tema “reforma agrária” de qualquer pauta política, é a tentativa quem dera
inútil para que o MST seja apenas uma parte natural da paisagem, que está aí
mas ninguém percebe.
*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do
CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de
Jesus em Feira de Santana, BA e do grupo de pastores da Primeira Igreja Batista
em Bultrins, Olinda, PE. Também faz parte da diretoria da Aliança de Batistas
do Brasil e é membro da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil.
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e
Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
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