sexta-feira, 25 de outubro de 2013

UMA REFORMA NA SALA DE ESPERA

gazetaderondonia

*Marcos Monteiro

O ocultamento de palavras é a tarefa mais sutil da estrutura de desinformação em que vivemos. A palavra “socialismo”, como venho repetindo, praticamente desapareceu do nosso vocabulário, podendo se tornar termo arcaico em dicionário de etimólogos. Em consequência, desaparece também a palavra “capitalismo”, tornada no ar que respiramos sem perceber, totalidade que nos move e em que nos movemos, estrutura invisível que distorce nosso modo de ser, individual e coletivamente.

Esse sequestro intencional de vocábulos atinge outros sítios relativos e ajuda a formar uma política de mascaração de realidades às vezes gritantes. A mais atordoante talvez seja a “reforma agrária”. Não pertence à pauta da mídia atual, nem mesmo à da esquerda, a situação do homem do campo e a lentidão com que a estrutura fundiária do país se move em direção de uma distribuição mais justa.

Metade das terras agrárias do Brasil ainda pertencem a um por cento dos proprietários rurais. O resto, noventa e nove por cento, divide a outra metade. Concentração brutal de terra, de renda e de poder, que cada vez menos incomoda um mundo totalmente urbanizado. Estatisticamente irrelevante, a população do campo pode facilmente ser esquecida por todos e todas. Quilombolas e indígenas fazem parte dessa população invisível que têm como única arma a capacidade de gritar.

As estratégias dos movimentos de agricultores, especialmente do MST, têm se caracterizado por insistir na busca de uma visibilidade via mobilizações e ocupações que se tornaram respeitadas ao longo do tempo. Os setores que controlam a informação, cansados de tentar um enfrentamento direto, optaram pelo silêncio, pelo escamoteamento e sequestro das palavras que orientam esses organismos.

Fala-se muito da necessidade urgente de reformas no Brasil. Reforma política, tributária, urbana ou qualquer outra. A reforma agrária, talvez a mais antiga das apregoadas reformas necessárias, tem sido tratada como uma idosa senil com quem não se dialoga.

Curiosamente, a reforma agrária talvez seja a mais capitalista de todas. Move-se na lógica da propriedade privada e os principais países capitalistas do mundo já fizeram a sua reforma, evitando assim cartéis e latifúndios que impedem políticas e atitudes mais benéficas para todos e todas. Antes da invasão europeia não havia necessidade de reforma agrária. Essa necessidade se estabelece imediatamente com a chamada colonização, procedimento feito de cima para baixo, de fora para dentro do país.

Assim que se estabeleceram nessas terras, nossos antepassados invasores se tornaram automaticamente proprietários desse imenso continente, pelo internacional Tratado de Tordesilhas, que dividia as terras entre Portugal e Espanha, e que havia sido firmado sem nenhum representante dos nativos que não se sabiam sem direito às suas terras. Do Tratado de Tordesilhas às Capitanias Hereditárias, a situação da terra se complicou pelo nome de herdeiros e herdeiras dos grandes proprietários iniciais e outras confusões conhecidas em termos de demarcação e posse de terras.

Curiosamente, quando viajamos pelo país, nos deparamos com camisas, bandeiras e outros símbolos do MST. Acampamentos e marchas acontecem com a força de quem já domina suas armas de combate e impede a sua invisibilidade total. O silêncio da mídia, a ausência do tema “reforma agrária” de qualquer pauta política, é a tentativa quem dera inútil para que o MST seja apenas uma parte natural da paisagem, que está aí mas ninguém percebe.


*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA e do grupo de pastores da Primeira Igreja Batista em Bultrins, Olinda, PE. Também faz parte da diretoria da Aliança de Batistas do Brasil e é membro da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil.
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055.



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