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Numa Vila Maravila futebolizada e
politizada, a questão somente poderia ir do prêmio de Kaká, como o melhor
jogador do mundo, para a constante questão na Vila sobre a transposição do Rio
São Francisco. O prêmio para Kaká, todo o mundo concorda, é quase merecido,
porque ninguém teve até hoje a raça de admitir o que é evidente: o melhor
jogador do mundo é o Cocada, artilheiro-mor do Maravila F.C. Cocada reúne em um
jogador só a arrancada habilidosa e chute certeiro de Kaká, a velocidade
criativa do Messi, a inventividade de Cristiano Ronaldo, fora a classe de
Ronaldinho Gaúcho e capacidade do drible de Robinho.
Paranísio, que gosta de esquentar uma
discussão, pergunta porque o capital não dá prêmio para o melhor cidadão do
mundo e o povo da Vila já quer se mobilizar para criar o prêmio e entregá-lo ao
próprio Paranísio, o famoso presidente do sindicato dos ambulantes de Vila
Maravila, quando este faz uma cara de indignação e desenvolve o seu discurso de
hábil orador popular em favor do bispo Dom Frei Luís Flávio Cáppio.
– Este sim é que é cidadão! – Quando
quer contestar o governo, dispensa até mesmo os benefícios do programa “Fome
Zero”! – arremata, em uma nada sutil alusão ao prolongado jejum de Dom Cáppio.
Para o combativo e socialista líder
comunitário, o que se passa ali é uma visível aplicação da dialética de Caetano
Veloso em Sampa: “o avesso do avesso do avesso do avesso”.
– Oi! – pergunta Dolivaldo – e o avesso
do avesso do avesso do avesso não é o direito?
– Não! Nunca! Jamais! Direito parece com
direita, mas a direita está sempre errada e é, portanto, companheiro, o
primeiro avesso. Sempre que a gente vê um avesso tenta desavessar, mas vem a
direita e quer desavessar a desavessidade e a gente tem de partir para o
combate e desavessar o desavessado de novo. Perceba, companheiro: o avesso do
avesso do avesso do avesso é o avesso dialético.
E para exemplificar, traz a questão do
dia.
– O projeto de transposição do Rio São
Francisco, companheiro, é o primeiro avesso que a direita quer colocar güela a
dentro da população. Aí vem o companheiro bispo que, mesmo crendo em Deus
(Paranísio é ateu e acha que quem crê em Deus fica esperando sem fazer nada),
desavessa o projeto avessado na base do jejum. Isso é que é cidadão. Disposto a
passar fome para todo o mundo poder comer. Reparem bem, companheiros, esse é o
espírito do socialismo: primeiro a coletividade, o bem comum. Posso até morrer,
se isso for estratégico para que venha o socialismo.
Mas, Seu Dolivaldo quer contestar, o que
Paranísio admite com paciência. O diálogo e a discussão faz parte do processo
de politização e de conscientização, sempre defende. Todo o mundo tem o direito
de emitir sua opinião, até mesmo o reacionário. No diálogo, explica, há uma
luta dialética de vogais. Todo o mundo tem o direito de emitir e ninguém tem o
direito de omitir o seu parecer, o seu pensamento, o seu argumento, as suas
elaborações dialéticas.
– Mas o jejum não deu em nada – rebate
então o encorajado Dolivaldo.
– Porque o mais importante não é o
resultado, mas o procedimento dialético. Quando o governo desavessou o
desavessamento do bispo, não pôde fazer do mesmo jeito. Só começou as obras na
base da força, com o exército para garantir. Então já começou a luta derrotado,
porque exército garante soberania nacional, mas ali o governo usou os
companheiros armados (que não têm consciência social porque não interessa aos
poderosos) para defender os interesses estrangeiros. Mas o balanço dialético
parou? Parou nada!!! Isso é que é cidadão!!!! Voltou o jejum e agora para tudo
ou nada! Já vai mais de vinte dias!!! Pensa, o que é isso? Passar fome vinte
dias... Porque o encaminhamento dialético vai engrossando o caldo. A força do
fraco vai ficando cada vez mais forte. A mídia quase não deu destaque, Lula
ficou falando de CPMF só pra disfarçar, mas o bispo continuou. Cidadão
arretado!!! E agora, quero ver se o homem morrer, o que acontece... Vai ou não
vai ter revolução?
O pessoal ficou quase dois minutos sem
dizer nada até que Seu Madeira quebrou o silêncio para explicar o embaraço
geral.
– Você parece que falou mal do Lula. E
agora?
E Paranísio que defendeu Lula, até duas
horas atrás, como o único socialista de vergonha do país (fora ele mesmo e o
seu pessoal ambulante), admitiu.
– A insensibilidade do companheiro Lula
para a questão do rio está me cansando e enchendo as medidas. A não ser que
Lula tenha sido seqüestrado pelo Capital Internacional e venha agindo sob a
coação discreta de armas – arrematou teimosamente esperançoso.
(Esse texto se encontra no livro “Vila
Maravila: um lugar diferente e cheio de graça”. O livro pode ser adquirido em
contato com o autor ou na Livraria Nobel, Av. Maria Quitéria, 2013, Feira de
Santana – BA. Da mesma maneira você pode encontrar o segundo volume: “Vila
Maravila: gols de esperança no campo da vida”)
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