quarta-feira, 9 de outubro de 2013

O avesso do avesso do avesso do avesso

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Numa Vila Maravila futebolizada e politizada, a questão somente poderia ir do prêmio de Kaká, como o melhor jogador do mundo, para a constante questão na Vila sobre a transposição do Rio São Francisco. O prêmio para Kaká, todo o mundo concorda, é quase merecido, porque ninguém teve até hoje a raça de admitir o que é evidente: o melhor jogador do mundo é o Cocada, artilheiro-mor do Maravila F.C. Cocada reúne em um jogador só a arrancada habilidosa e chute certeiro de Kaká, a velocidade criativa do Messi, a inventividade de Cristiano Ronaldo, fora a classe de Ronaldinho Gaúcho e capacidade do drible de Robinho.
           
Paranísio, que gosta de esquentar uma discussão, pergunta porque o capital não dá prêmio para o melhor cidadão do mundo e o povo da Vila já quer se mobilizar para criar o prêmio e entregá-lo ao próprio Paranísio, o famoso presidente do sindicato dos ambulantes de Vila Maravila, quando este faz uma cara de indignação e desenvolve o seu discurso de hábil orador popular em favor do bispo Dom Frei Luís Flávio Cáppio.
           
– Este sim é que é cidadão! – Quando quer contestar o governo, dispensa até mesmo os benefícios do programa “Fome Zero”! – arremata, em uma nada sutil alusão ao prolongado jejum de Dom Cáppio.
           
Para o combativo e socialista líder comunitário, o que se passa ali é uma visível aplicação da dialética de Caetano Veloso em Sampa: “o avesso do avesso do avesso do avesso”.
           
– Oi! – pergunta Dolivaldo – e o avesso do avesso do avesso do avesso não é o direito?
           
– Não! Nunca! Jamais! Direito parece com direita, mas a direita está sempre errada e é, portanto, companheiro, o primeiro avesso. Sempre que a gente vê um avesso tenta desavessar, mas vem a direita e quer desavessar a desavessidade e a gente tem de partir para o combate e desavessar o desavessado de novo. Perceba, companheiro: o avesso do avesso do avesso do avesso é o avesso dialético.
           
E para exemplificar, traz a questão do dia.
           
– O projeto de transposição do Rio São Francisco, companheiro, é o primeiro avesso que a direita quer colocar güela a dentro da população. Aí vem o companheiro bispo que, mesmo crendo em Deus (Paranísio é ateu e acha que quem crê em Deus fica esperando sem fazer nada), desavessa o projeto avessado na base do jejum. Isso é que é cidadão. Disposto a passar fome para todo o mundo poder comer. Reparem bem, companheiros, esse é o espírito do socialismo: primeiro a coletividade, o bem comum. Posso até morrer, se isso for estratégico para que venha o socialismo.
           
Mas, Seu Dolivaldo quer contestar, o que Paranísio admite com paciência. O diálogo e a discussão faz parte do processo de politização e de conscientização, sempre defende. Todo o mundo tem o direito de emitir sua opinião, até mesmo o reacionário. No diálogo, explica, há uma luta dialética de vogais. Todo o mundo tem o direito de emitir e ninguém tem o direito de omitir o seu parecer, o seu pensamento, o seu argumento, as suas elaborações dialéticas.
           
– Mas o jejum não deu em nada – rebate então o encorajado Dolivaldo.
           
– Porque o mais importante não é o resultado, mas o procedimento dialético. Quando o governo desavessou o desavessamento do bispo, não pôde fazer do mesmo jeito. Só começou as obras na base da força, com o exército para garantir. Então já começou a luta derrotado, porque exército garante soberania nacional, mas ali o governo usou os companheiros armados (que não têm consciência social porque não interessa aos poderosos) para defender os interesses estrangeiros. Mas o balanço dialético parou? Parou nada!!! Isso é que é cidadão!!!! Voltou o jejum e agora para tudo ou nada! Já vai mais de vinte dias!!! Pensa, o que é isso? Passar fome vinte dias... Porque o encaminhamento dialético vai engrossando o caldo. A força do fraco vai ficando cada vez mais forte. A mídia quase não deu destaque, Lula ficou falando de CPMF só pra disfarçar, mas o bispo continuou. Cidadão arretado!!! E agora, quero ver se o homem morrer, o que acontece... Vai ou não vai ter revolução?
           
O pessoal ficou quase dois minutos sem dizer nada até que Seu Madeira quebrou o silêncio para explicar o embaraço geral.
           
– Você parece que falou mal do Lula. E agora?
           
E Paranísio que defendeu Lula, até duas horas atrás, como o único socialista de vergonha do país (fora ele mesmo e o seu pessoal ambulante), admitiu.
           
– A insensibilidade do companheiro Lula para a questão do rio está me cansando e enchendo as medidas. A não ser que Lula tenha sido seqüestrado pelo Capital Internacional e venha agindo sob a coação discreta de armas – arrematou teimosamente esperançoso.


(Esse texto se encontra no livro “Vila Maravila: um lugar diferente e cheio de graça”. O livro pode ser adquirido em contato com o autor ou na Livraria Nobel, Av. Maria Quitéria, 2013, Feira de Santana – BA. Da mesma maneira você pode encontrar o segundo volume: “Vila Maravila: gols de esperança no campo da vida”)

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