terça-feira, 8 de outubro de 2013

Entre as frases e os silêncios

estadao

“A vida vale a pena de suas frases”: Rubengálvio Molejo de Farias. Essa frase, repetida vez em quando pelo próprio Rubengálvio, o qual Gerlúcido classifica como “o artífice e colecionador silencioso de frases”, descreve, na maníaca precisão gerlúcida, o permanente e maciço silêncio do autor do epíteto, silêncio quebrado somente para frases antológicas, suas ou de outros, porque costuma dizer que o “ontológico é antológico”.
           
Frases como o paradoxo que explica a impontualidade de Artunalpo, “se ele ainda não chegou, então vem”, ou que se aplica à opinião indecisa de todos nós, “acho que sim, penso que não”, ou a audaciosa frase para polemizar com a mania de Gerlúcido de citar estatísticas: “a ciência não é científica”.
           
A frase deve merecer ser escrita. Emerge da linguagem, do cotidiano oral, da vivência humana, e deve ser remetida de volta, em percurso ordenado reverente. Em outra frase: “a vida está a serviço da linguagem, e a linguagem a serviço da frase, e da frase escrita”. Uma vida é um amontoado de frases banais, à espera da frase escrita, menos a vida de Rubengálvio, cujo silêncio é o único útero da cuidadosa frase à espreita.
           
Quando Rubengálvio cita uma frase sua, sempre acrescenta o próprio nome de autor: Rubengálvio Molejo de Farias. Quando a frase é dos outros, o autor não precisa ser identificado, é do domínio público. Mas conhece o nome de cada autor, além do livro onde está citado, às vezes da ocasião em que foi pronunciada. Procura sempre a versão mais atualizada da origem da frase, que “a origem é o olho d’água das cataratas”, mas está sempre se atualizando.
           
Por exemplo, a famosa frase atribuída a tanta gente, “tudo na vida é passageiro, exceto motorista e cobrador”, a origem pertence, por enquanto, ao Barão de Itararé, o antológico Apparício Torelly, escrita originalmente como “tudo na vida é passageiro, exceto motorneiro e cobrador”, detalhe que transfere glória de ônibus para bonde, mas que pesquisas podem apontar para outra ou outras origens.
           
Se já está firmado, desde já, que a ciência não é científica, podemos continuar caminhando com Rubengálvio para entender que “a história é a maior das invenções científicas”. Pois, se a ciência é a fornalha dos artefatos técnicos, o maior de todos teria sido a história, “conto narrado por um idiota em fúria, sem qualquer sentido”, ou “algo que não aconteceu narrado por alguém que não estava lá”. A primeira frase pertence a Rubengálvio Molejo de Farias, as duas últimas ao domínio público, ou, se pesquisarem, a Shakespeare, e a Machado de Assis, respectivamente.
           
Colecionador e inventor, também é escultor ou ourives, procurando a frase e remodelando-a, como faz com o provérbio transformado em “para bom entendedor meia palavra bas” e o outro, antonomicamente, “quebrou dois cajados num coelho só”.
           
Pode-se perceber que se a vida deve ser vivida em frases e frases antológicas, o cotidiano de Rubengálvio é feito especialmente de silêncio, ou de silêncios, como prefere Gerlúcido. Percorre silenciosamente livros e textos, à busca incansável da frase perfeita, ou é companheiro silencioso de rodas de conversas ou de atividades corriqueiras. Mas seu silêncio não é monocórdio, é um composto de expressões, que Gerlúcio procura maniacamente classificar. Atento a nuances, capaz de identificar inúmeros tipos de silêncio, coloca a maior parte de suas expressões silenciosas no gênero da “ironia”, mas não consegue se decidir se os silêncios de Rubengálvio são irônicos, em sua imensa maioria, ou se Rubengálvio seria a própria ironia em devastador silêncio.
           
Enquanto isso, a vida, a história, a família, os amigos, vão acompanhando o seu solene e impenetrável silêncio, irônico, como garante Gerlúcido, ou não, como desexplica misteriosamente o próprio Rubengálvio, mas com a certeza de que as frases estão por aí, nos contemplando, e surgirão no momento propício, dos livros, da vida, ou bem particularmente dos lábios e labor de Rubengálvio.


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