segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A PALAVRA PROFÉTICA E AS SITUAÇÕES DE CRISE - I REIS 20 ( II )


O capítulo 20 do primeiro livro de Reis é a narrativa, com cores de história popular,  das relações desses profetas anônimos com um momento concreto da história do rei Acabe. É a história da palavra profética pronunciada em um momento de crise e de suas inesperadas consequências.  Dividimo-la em seis pedaços, cada um com um título meio folhetim, para manter o seu sabor popular.

1. V. 1-4

Quando um rei descobre repentinamente
que é apenas um homem.

A história começa com a capital Samaria cercada pelo exército do tradicional inimigo, a Síria, com os mensageiros do rei Ben-Hadad começando o movimento costumeiro de indas e vindas de exigências que deveriam culminar em uma batalha e na rendição total da nação israelita.

E enviou à cidade mensageiros a Acabe,  rei de Israel,  a dizer-lhe:
Assim diz Ben-Hadad:  A tua prata e o teu ouro são meus; e também,
das tuas mulheres e dos teus filhos, os melhores são meus. (v. 2-3).

A mensagem desencadeia uma situação de crise, dessa democrática crise que atinge a todos, ricos e pobres, fortes e fracos, reis e plebeus. Crise pessoal e crise nacional pela imbricação inevitável entre rei e povo, líder e comunidade.

A crise de Acab é de natureza econômica, descobre que o que tem pode lhe ser tirado sumariamente; de natureza afetiva, sua família pode se desagregar a qualquer momento; mas, principalmente, de natureza política, todo o seu poder pode ser reduzido a nada diante de um poder maior. O poder usurpador pode repentinamente tirar-lhe bens,  afeto e posição social.

O impacto transforma Acabe de dominador em dominado, de explorador em explorado, de rei em vassalo. Por isso, essa é a história do momento em que um rei descobre que é apenas um homem e essa primeira parte termina com a humilde e subserviente confissão diante do sírio prepotente, por parte daquele que antes não se curvara diante de Javé ou de seus profetas.

  Ao que respondeu o rei de Israel, dizendo:
Conforme a tua palavra, ó rei meu senhor,
sou teu,  com tudo quanto tenho. (v. 4)

2. V. 5-11

Quando um homem descobre dolorosamente
que precisa ser maior do que ele mesmo.
           
Panikon.space
Há duas intenções em disputa. Acabe deseja contornar a crise e Ben-Hadad pretende agravá-la e, por conta disso,  aumenta o nível de exigências. Não apenas a declaração formal de posse que lhe dava contratualmente a soberania sobre Israel, mas o saque ostensivo e predatório que lhe daria a soberania de fato e humilharia totalmente o adversário. Qualquer resistência seria a guerra com uma diferença esmagadora na correlação de forças, favorável à Síria, tanto em guerreiros quanto em armas e artefatos de combate. 

Tornaram a vir os mensageiros, e disseram: Assim fala Ben-Hadad
dizendo: Enviei-te, na verdade, mensageiros que dissessem:
Tu me hás de entregar a tua prata e o teu ouro, as tuas mulheres
e os teus filhos; todavia amanhã a estas horas te enviarei
os meus servos, os quais esquadrinharão a tua casa, e as casas
dos teus servos: e há de ser que tudo o que de precioso tiveres,
eles tomarão consigo e o levarão. (v. 5-6).

O agravamento da crise exige novas soluções e novas atitudes. É preciso crescer diante das crises, ou sucumbir de vez, e Acabe adota uma política inteiramente nova, reinventa o bom senso e aconselha-se com todos os anciãos, representantes da sabedoria, pilares da tradição. Um rei acostumado a decidir sozinho, ou no máximo em conselho de família, com a esposa Jezabel, descobre-se homem e, como homem, sente necessidade de dividir o peso do agravamento da crise.

Com o apoio dos anciãos, Acabe enfrenta ainda timidamente o poderoso Ben-Hadad e nega-lhe o atendimento do segundo lote de exigências. Afinal, a dignidade traça limites a determinadas exigências e é preciso arregimentar forças para garantir, pelo menos, esse limite mínimo de dignidade humana. O resultado é a previsível declaração formal de guerra, com o rei sírio dizendo que tomará nas mãos o pó de Samaria.

A resposta de Acabe mostra a desesperada luta interior de um homem que descobre no agravamento da situação de crise que precisa ser maior do que ele mesmo.  Diz, com o recurso de um provérbio popular, que palavras e bravatas não ganham guerras, cada guerra tem a sua própria história, e somente após a luta se deveria cantar vitória.

O rei de Israel, porém, respondeu: Dizei-lhe:
Não se gabe quem se cinge como aquele que se descinge (v. 11).




Um comentário:

  1. Estou sempre acompanhando e bebendo das suas elucubrações mestre...
    Um abraço

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