quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A mais nova mascote de Madame

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Quando Madame entrou no imenso salão, percebeu, pelo rumor, que havia conseguido o seu intento. Propositadamente discreta em suas roupas, contrastando com todo o mundo presente, através de uma modesta coleira, carregava uma legítima e imponente cascavel, a qual causava uma legítima e imponente impressão.

Inevitavelmente e sem nenhum esforço, o estranho par, a mulher e a serpente, chamava para si todas as atenções, entre a diversidade de bichinhos de estimação, para desespero de Amiga que tinha a mania de inventar manias e havia inventado a última invenção de se levar bichinhos para as concorridas reuniões da alta sociedade local. Não é necessário dizer que nem os inúmeros poodles, chihauas, gatos siameses, araras, sabiás, nem o divertido bicho preguiça de Amiga, se constituíam em páreo para o inusitado pet de Madame.

O cérebro criativo de Amiga fervia de inveja (e a inveja nos torna ainda mais criativos) sem encontrar caminhos de reencontrar o caminho do centro das atenções. Inopinadamente se dirige até madame e aproximando perigosamente a delicada mão da cabeça do réptil, diz desdenhosamente que não acredita que o mesmo seja venenoso. Provocada pela proximidade da alva palma de Amiga, a cobra crava-lhe a presa, para susto desesperado da outra que só não morre porque prontos médicos lhe acorrem e lhe amputam imediatamente a mão.

Sem perder o sorriso, a pose e muito menos a oportunidade, Amiga consegue, por um breve espaço de tempo, com a narração detalhada do episódio que lhe tornara maneta, quase atrair toda a atenção novamente. Quase, porque, vamos e venhamos, uma socialite feita maneta por mordida de cobra, só se torna mais importante do que a própria cobra, por um brevíssimo, definido e localizado lapso de tempo. Passado este, a serpente, com sua propensão mítica de fundamentar origens e antecipar catástrofes escatológicas, cria e recria ela mesma o espaço ao seu redor, expulsando do espaço mítico-social todos os intrusos adversários.

Mas nenhum dos presentes se declararam ainda derrotados na guerra pelo centro das atenções e, discretamente, saíam de cena e retornavam com girafas, leopardos, leões, ursinhos, onças, hienas e até um elefante de porte médio, sem no entanto ameaçar a supremacia majestosa da Madame com a sua cascavel. Amiga, então, freneticamente invejosa e freneticamente criativa, introduziu no salão um tamanduá bandeira, um crocodilo gigante, um ornitorrico, um legítimo canguru australiano e um pequeno clone de um tiranossauro rex. Mas Madame e sua serpente continuaram incólumes, perfeitamente imbatíveis diante da contra-ofensiva simbólica proporcionada pela curiosa coalizão ecológica.

Então Amiga, maneta e impotente, perdeu a pose, o sorriso e a linha e avançou descontrolada, entre gritos histéricos, impropérios selvagens, uivos esganiçados, na direção da desconcertada Madame. E diante do silêncio estupefato dos perplexos animais, a luta se generalizou incontrolável por todo o imenso espaço do salão. Socos, pontapés, puxões de cabelos, compridas unhas rasgando maquiadas faces, musculosos varões impecavelmente vestidos tendo os seus tão apreciados testículos dilacerados por finíssimos e delicados sapatos, e outras cenas tão humanas, deixavam todos os animais em estado de paralisado estupor.

No centro do salão, entre gritos, grunhidos, grasnados, urros e ofensas explícitas, Madame e Amiga se engalfinhavam e trocavam toda a sorte de golpes, em uma combinação bem pós-moderna de Yim e Yang, de masculino e feminino. Há marcas de unhas pelo corpo de ambas e imensa mechas de cabelo das duas pelo chão.  Repentinamente, a desvairada Amiga avança enlouquecida sobre Madame e, de um só golpe, morde-lhe a jugular. Madame cai fulminada, morta, não se sabe com certeza, de estrangulamento, sangramento ou envenenamento. Amiga, enfurecida, maneta e desgrenhada, joga-se então na direção de uma apavorada cascavel que, transida de pavor, dizem que corre até hoje, alucinadamente.


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