segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Momento de completa visão

apascentarospequeninos

Gn 48-50

A morte de Jacó encerra o livro de Gênesis. Narrativas sobre conversa coloquial com o Faraó, relações familiares, bênçãos, cerimônias fúnebres dignas de um patriarca, quase oitenta dias em lugares diferentes com os mais importantes oficiais do Egito, choro que nunca se acaba, como era de praxe, medo de vingança dos irmãos e perdão de José que diz:

“Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve muita gente em vida” (Gn 50,20).

Javé é um Deus que de modo misterioso transforma o mal em bem.

Mas o ponto mais alto da narrativa é o momento em que Jacó, no leito da morte, distribui e pronuncia bênçãos.

Uma tradição bem antiga concebe que o homem na hora da morte torna-se vidente. A morte seria plenitude de entendimento, momento culminante de sabedoria, compreensão que se abre sobre todas as coisas sem limites. Nas bênçãos, Jacó se encontra em limiar. Entre tradição e possibilidades, entre este mundo e o mundo dos mortos, entre passado e futuro.

Portanto, quando José traz seus filhos para a bênção, Jacó subverte a ordem patriarcal e carrega de bênçãos o mais novo, Efraim, deixando o primogênito, Manassés, em segundo plano. Ele próprio se torna patriarca por meios indiretos, não por direito de primogênito. Esses netos se tornam filhos por amor a José, o filho da amada Raquel, de quem lembra a morte.

“Vindo, pois, eu de Padã, me morreu, com pesar meu, Raquel na terra de Canaã, no caminho, havendo ainda pequena distância para chegar a Efrata.” (Gn 48, 7a).

A amada morre a caminho, mas a saudade, a lembrança e o pesar caminham até o final de sua vida.

Na distribuição de bênçãos sobre os filhos vislumbra a futura organização tribal e a vindoura instituição monárquica, colocando Judá acima dos irmãos.

“O cetro não se arredará de Judá, nem o bastão de entre seus pés, até que venha Siló; e a ele obedecerão os povos” (Gn 49, 10).

A bênção se move entre passado e futuro, acerto de contas e promessas. De Ruben cobra o desrespeito de haver dormido com uma das concubinas do pai. De Simeão e Levi, a violência. Com metáforas de animais, compara Judá a um leão, Issacar a um jumento que trabalha sem parar, Dã a uma serpente à espreita na beira do caminho, Naftali a uma gazela, correndo livre e proferindo palavras formosas, e Benjamim a um lobo que despedaça a presa. Zebulom estará nas praias e será porto para navios, Gade será hábil em guerras e guerrilhas, Aser será campo de abundância e José será ramo frutífero, galhos sobre os muros que resistem aos frecheiros.

As bênçãos assumem uma forma poética e são postas a partir de Javé e sob a responsabilidade do mesmo. Na hora da morte Jacó se torna vidente. O vidente é aquele que enxerga o que Javé fez e vai fazer na história. A sua forma de falar é poética, porque quando Javé fala não escolhe a linguagem ordinária, escolhe a poesia.

Javé é o poeta que intervém na história de maneiras intrincadas para buscar um mundo sempre melhor.


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