terça-feira, 10 de setembro de 2013

A busca da palavra perdida

 
simplesassimmesmo
Encontro as palavras perdidas quase sempre debaixo do tapete, mas dessa vez precisei revirar a casa toda.
           
Primeiro, procurei ver em cima da mesa, disfarçada entre correspondências, jornais, revistas e livros, para ter que procurar nos quartos, em cima do travesseiro, adormecida, ou debaixo da cama, conseqüência de queda no meio da noite, mas não se encontrava lá.
           
Sempre havia a possibilidade da palavra estar na dispensa, passando despercebida entre os vinhos, ou mesmo entre os enlatados para consumo rápido, ou pendurada no rótulo de qualquer coisa, mas depois de uma busca cuidadosa não a encontrei.
           
O problema de se perder a palavra é que só sabemos que palavra é quando encontramos, tendo apenas uma vaga idéia de sua aparência. Com certeza não era uma dessas super-palavras, um “superlativo sintético absoluto”, ou qualquer polissílabo interminável, ou verbo anômalo ou defectivo, ou qualquer esdrúxulo substantivo hiper-abstrato, mas uma palavra banal, possivelmente uma preposiçãozinha corriqueira ou, no máximo, uma conjunçãozinha coordenada.
           
Era o jeito procurar no congelador, onde guardo palavras arcaicas, locuções adverbiais complexas, e outras linguices mais, na esperança de encontrá-la mesmo que macambúzia, tiritante na friagem polar artificial, empalidecida por trás de qualquer bloco irregular de gelo. Mas, nada.
           
Na cozinha, havia um cheiro de palavras um tanto ou quanto queimadas, resquícios da crônica que precisei fritar tarde da noite. Ainda recuperei, na lata de lixo, uma palavra quase perfeita, somente um pouco chamuscada, no meio de outras viradas em cinza, ponto de cocção ultrapassado pelo apressamento da tarefa. Mas a palavra buscada, a precisa palavra, precisada palavra para a crônica do dia, não se encontrava em nenhum desses lugares.
           
Então, é preciso admitir o fracasso e adiar os escritos, na esperança de que a palavra surja inesperadamente ali à frente, ou que, redobradas as buscas, confirme-se que o lugar improvável é o único local possível de se encontrar o que se perde. Ou, dito de maneira diferente, não adianta aumentar as buscas se não se procura no único lugar onde se perdeu. Ou ainda, posso percorrer toda a casa, examinar ladrilho por ladrilho, multiplicar a procura por toda a cidade, mas a palavra só estará nesse único local, banal ou surpreendente.

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