sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O PEREGRINO E O AVIÃO

guarucaiafm

*Marcos Monteiro

O papa Francisco I consegue comover e impressionar pela postura pessoal e pela ênfase pastoral que coloca em todas as suas aparições e pronunciamentos. Como líder da Igreja, peregrina com a responsabilidade de reafirmar a humanidade de um papa como João XXIII, a coragem pessoal do bispo Dom Oscar Romero e a sabedoria exemplar do Arcebispo Dom Helder Câmara. Mais ainda, assumir um pontificado com o nome de Francisco, é remeter-se à personalidade mais marcante do segundo milênio da era cristã, Giovanni Bernardone, o “pobrezinho de Assis”. O papa atual é um peregrino de todos os lugares, mas, para maior esperança de todos e todas, parece se sentir mais à vontade nos caminhos cheios de gente, do que no avião que o transporta pelo mundo.

A simplicidade com que se põe diante de todos, lembra o primeiro gesto simbólico de São Francisco.  Quando questionado pelo bispo por doar aos pobres parte dos bens do seu pai negociante, o jovem tira todas as suas vestes, se despojando de toda e qualquer posse, e vai em busca do seguimento de Jesus Cristo, no casamento com a “Senhora Pobreza”. Esse papa se expõe, como que se desnuda diante da complexidade dogmática da instituição e diz coisas que nenhum outro pontífice chegou a dizer. Assegurar direito de fé e acompanhamento pastoral a homossexuais foi pronunciamento claro, de conseqüências imprevisíveis.

Os homossexuais, via de regra, são tratados pela Igreja cristã em geral, tanto em sua vertente católica quanto protestante, como eram tratados os leprosos no tempo de Jesus e, se São Francisco de Assis, abraçava e cuidava dos leprosos de seu tempo, o papa Francisco pretende cuidar desses leprosos de hoje, com suas chagas que ameaçam imaculados religiosos e imaculadas instituições.

O modo como busca a pobreza pessoal e aconselha o mesmo para o clero em geral, coloca-o no mesmo caminho de São Francisco e mais ainda, denuncia uma liderança religiosa cada vez mais buscando poder, prestígio e riqueza pessoal. Nesse aspecto, os mais atingidos, com toda razão, são os espertos pastores evangélicos, vendilhões da fé, legitimados por uma teologia protestante extremamente ambígua no trato com a riqueza. Nesse aspecto, Max Weber, nunca perdeu a razão: protestantismo e capitalismo caminham mais facilmente juntos no desenrolar da história.

O papa atual me lembra ainda a coragem pessoal de Dom Oscar Romero, quando conclama os fiéis a estarem nas ruas lutando por justiça e equidade social e Dom Helder que, aliava à coragem pessoal e à simplicidade pastoral, a sabedoria do dito adequado ao momento adequado. Quando brinca dizendo que o papa é argentino, mas Deus é brasileiro, entra simpaticamente no jogo dos nossos provérbios mais populares, na grande área das nossas mais complicadas relações internacionais. Por tudo isso, o papa encanta as multidões e se torna uma figura de fácil difusão midiática. Mas é aí que entram as minhas questões. Muita divulgação por uma mídia conhecidamente tendenciosa e conservadora não recomenda muito bem a ninguém.

Um pontificado que mal começou não pode ser comparado a outros. A ebulição estrutural e teológica causada por João XXIII, por exemplo, dificilmente estará na pauta de sua atuação. E o combate efetivo ao capitalismo não parece estar se aproximando de alguma agenda teológica em andamento, como desejaram Dom Oscar e Dom Helder. Como figura pessoal, o papa Francisco I parece ser de grande estatura, mas a instituição é muito maior do que ele e, no momento atual, os muros a derrubar e os castelos a conquistar estão dentro e não fora. Sempre gosto de lembrar que Dom Helder amava a televisão, mas a televisão não amava Dom Helder.

Quando falei que os homossexuais são os leprosos do momento, disse a partir de um sentimento incômodo. Se a Igreja, maternalmente, abraçar um homossexual como São Francisco abraçava leprosos só iria legitimar “generosamente” a pecha de enfermidade que carregam. Mais do que acolher homossexuais, a Igreja precisa desculpabilizar o amor entre pessoas do mesmo sexo e não chamar de “pecado” modos de amar que não estão nos cânones. O discurso de acolhimento sem medidas claras de equidade eclesial e ontológica também cheira a discriminação.

A maioria dos cristãos não têm esperança em mudanças profundas na instituição, mesmo encantada com o sorriso e coragem pessoal do papa. Celibato opcional, ordenação de mulheres, despecabilização da homossexualidade, ética sexual mais positiva, descriminalização do aborto, não deverão estar na pauta das reformas. Talvez consiga-se uma estrutura mais democrática, com maior participação dos leigos, e um melhor momento no ecumenismo e no diálogo inter-religioso. Talvez, e isso já seria bom. O restante, o mais importante, é muito improvável. O peregrino Francisco I pode gostar muito de ir a pé, mas será carregado mesmo é de avião.
  

*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA e do grupo de pastores da Primeira Igreja Batista em Bultrins, Olinda, PE. Também faz parte da diretoria da Aliança de Batistas do Brasil e é membro da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil.

Um comentário:

  1. Gostei da sua análise, o papa Francisco conquistou simpatias e tem demonstrado vontade de trazer transformações a instituição que é das mais conservadoras. Mas, com vc destacou não serão radicais,

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