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*Marcos Monteiro
O papa Francisco I consegue
comover e impressionar pela postura pessoal e pela ênfase pastoral que coloca
em todas as suas aparições e pronunciamentos. Como líder da Igreja, peregrina
com a responsabilidade de reafirmar a humanidade de um papa como João XXIII, a
coragem pessoal do bispo Dom Oscar Romero e a sabedoria exemplar do Arcebispo
Dom Helder Câmara. Mais ainda, assumir um pontificado com o nome de Francisco,
é remeter-se à personalidade mais marcante do segundo milênio da era cristã, Giovanni
Bernardone, o “pobrezinho de Assis”. O papa atual é um peregrino de todos os
lugares, mas, para maior esperança de todos e todas, parece se sentir mais à
vontade nos caminhos cheios de gente, do que no avião que o transporta pelo
mundo.
A simplicidade com que se põe
diante de todos, lembra o primeiro gesto simbólico de São Francisco. Quando questionado pelo bispo por doar aos
pobres parte dos bens do seu pai negociante, o jovem tira todas as suas vestes,
se despojando de toda e qualquer posse, e vai em busca do seguimento de Jesus
Cristo, no casamento com a “Senhora Pobreza”. Esse papa se expõe, como que se
desnuda diante da complexidade dogmática da instituição e diz coisas que nenhum
outro pontífice chegou a dizer. Assegurar direito de fé e acompanhamento
pastoral a homossexuais foi pronunciamento claro, de conseqüências
imprevisíveis.
Os homossexuais, via de regra,
são tratados pela Igreja cristã em geral, tanto em sua vertente católica quanto
protestante, como eram tratados os leprosos no tempo de Jesus e, se São
Francisco de Assis, abraçava e cuidava dos leprosos de seu tempo, o papa
Francisco pretende cuidar desses leprosos de hoje, com suas chagas que ameaçam
imaculados religiosos e imaculadas instituições.
O modo como busca a pobreza pessoal
e aconselha o mesmo para o clero em geral, coloca-o no mesmo caminho de São
Francisco e mais ainda, denuncia uma liderança religiosa cada vez mais buscando
poder, prestígio e riqueza pessoal. Nesse aspecto, os mais atingidos, com toda
razão, são os espertos pastores evangélicos, vendilhões da fé, legitimados por
uma teologia protestante extremamente ambígua no trato com a riqueza. Nesse
aspecto, Max Weber, nunca perdeu a razão: protestantismo e capitalismo caminham
mais facilmente juntos no desenrolar da história.
O papa atual me lembra ainda a
coragem pessoal de Dom Oscar Romero, quando conclama os fiéis a estarem nas
ruas lutando por justiça e equidade social e Dom Helder que, aliava à coragem
pessoal e à simplicidade pastoral, a sabedoria do dito adequado ao momento
adequado. Quando brinca dizendo que o papa é argentino, mas Deus é brasileiro,
entra simpaticamente no jogo dos nossos provérbios mais populares, na grande
área das nossas mais complicadas relações internacionais. Por tudo isso, o papa
encanta as multidões e se torna uma figura de fácil difusão midiática. Mas é aí
que entram as minhas questões. Muita divulgação por uma mídia conhecidamente
tendenciosa e conservadora não recomenda muito bem a ninguém.
Um pontificado que mal começou
não pode ser comparado a outros. A ebulição estrutural e teológica causada por
João XXIII, por exemplo, dificilmente estará na pauta de sua atuação. E o
combate efetivo ao capitalismo não parece estar se aproximando de alguma agenda
teológica em andamento, como desejaram Dom Oscar e Dom Helder. Como figura
pessoal, o papa Francisco I parece ser de grande estatura, mas a instituição é
muito maior do que ele e, no momento atual, os muros a derrubar e os castelos a
conquistar estão dentro e não fora. Sempre gosto de lembrar que Dom Helder
amava a televisão, mas a televisão não amava Dom Helder.
Quando falei que os homossexuais
são os leprosos do momento, disse a partir de um sentimento incômodo. Se a
Igreja, maternalmente, abraçar um homossexual como São Francisco abraçava
leprosos só iria legitimar “generosamente” a pecha de enfermidade que carregam.
Mais do que acolher homossexuais, a Igreja precisa desculpabilizar o amor entre
pessoas do mesmo sexo e não chamar de “pecado” modos de amar que não estão nos
cânones. O discurso de acolhimento sem medidas claras de equidade eclesial e
ontológica também cheira a discriminação.
A maioria dos cristãos não têm
esperança em mudanças profundas na instituição, mesmo encantada com o sorriso e
coragem pessoal do papa. Celibato opcional, ordenação de mulheres,
despecabilização da homossexualidade, ética sexual mais positiva,
descriminalização do aborto, não deverão estar na pauta das reformas. Talvez
consiga-se uma estrutura mais democrática, com maior participação dos leigos, e
um melhor momento no ecumenismo e no diálogo inter-religioso. Talvez, e isso já
seria bom. O restante, o mais importante, é muito improvável. O peregrino
Francisco I pode gostar muito de ir a pé, mas será carregado mesmo é de avião.
*Marcos Monteiro é assessor de
pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da
Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA e do grupo de pastores da Primeira
Igreja Batista em Bultrins, Olinda, PE. Também faz parte da diretoria da Aliança
de Batistas do Brasil e é membro da Fraternidade Teológica Latino-Americana do
Brasil.
Gostei da sua análise, o papa Francisco conquistou simpatias e tem demonstrado vontade de trazer transformações a instituição que é das mais conservadoras. Mas, com vc destacou não serão radicais,
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