segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A sagração da violência

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A sagração da violência

Gn 34-35,5.

A narrativa escancara a violência embutida no sistema patriarcal e levanta questões sobre violência, especialmente em sua relação com o sagrado. Desenvolvida a partir do clã de Jacó, pergunta por narrativas outras, do ponto de vista de Siquém, por exemplo, que não pode nada dizer porque impedido de viver.

No texto há dois silêncios bastante incômodos. O silêncio de Diná, que voz de mulher é gemido ou sussurro, e o silêncio de Javé que nem socorre os siquemitas nem condena os filhos de Jacó.

“Ao terceiro dia, quando os homens sentiam mais forte a dor, dois filhos de Jacó, Simeão e Levi, irmãos de Diná, tomaram cada um a sua espada, entraram inesperadamente na cidade, e mataram os homens todos. Passaram também ao fio da espada a Hamor e a seu filho Siquém; tomaram a Diná da casa de Siquém, e saíram.
Sobrevieram os filhos de Jacó aos mortos e saquearam a cidade, porque sua irmã fora violada. Levaram deles os rebanhos, os bois, os jumentos, e o que havia na cidade e no campo; todos os seus bens, e todos os seus meninos, e as suas mulheres, levaram cativos, e pilharam tudo o que havia nas casas” (Gn 34, 25-29).

Não há detalhes sobre o rapto de Diná, mas não há dúvida de que foi um desatino cometido por um jovem poderoso sobre uma bela estrangeira, uma violência. Jovem apaixonado que não encontra favor entre os irmãos da moça, os quais rebatem a violência com violência maior.

Em meio a toda essa violência, há um momento de poesia no texto. Diz-se de Siquém que “sua alma apegou-se a Diná, ele amou a jovem e falou-lhe ao coração”. O que significa “falou-lhe ao coração”? Teria a violência do amor de Siquém aberto brechas amorosas no coração de Diná? Não sabemos. Não há depoimentos de Diná, mulher não tem voz, somente a do coração.

O jovem oferece reparações e tudo o que pode para se casar com Diná. Para ele o amor valia qualquer preço, mas o colóquio não deixa de ser uma transação comercial em que Diná é mercadoria.

O que se segue é de uma sutileza exemplar. Os irmãos de Diná exigem a conversão religiosa de todos os homens; novamente as mulheres estão naturalmente embutidas. Durante o ritual, sangrento, todos os homens são exterminados. Religião é coisa muito perigosa.

No butim que se segue, os filhos de Jacó saem lucrando. Saqueiam todos os bens e ainda levam todas as mulheres e crianças. Diná tornou-se mercadoria importante nesse jogo de interesses. Mercadoria, coisa silenciosa como todas as coisas.

E Javé? Javé também fica em silêncio. Fala com Jacó sobre altares e coisas assim, interessado apenas em rituais religiosos. O texto diz que “o terror de Deus invadiu as cidades circunvizinhas, e não perseguiram aos filhos de Jacó”.

Estranha reação e estranha providência. Javé acrescenta o Seu terror ao terror, torna a violência sagrada.

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