extra.globo |
Marcos Monteiro*
O Jornal Nacional dessa
quarta-feira desse 14 de agosto desse 2013 noticiou sobre Amarildo.
Desaparecimento de ajudante de pedreiro pode ocasionalmente se tornar notícia
de televisão, especialmente em circunstâncias incomuns. Normalmente não. A
permanência como notícia merece ser também notícia. Amarildo tornou-se tema de
cronistas, emblema de reflexões, cartaz de protesto, palavra de ordem.
A notícia, alongada de modo
inusual, prestava contas de uma investigação que dizia da suspeita de que
Amarildo tenha sido assassinado ou por policiais militares ou por traficantes
de drogas. A maioria da população brasileira acredita que Amarido foi
assassinado por policiais. Mas, pronunciada sem inflexão diferente e ouvida sem
exclamações de surpresa, a notícia parece lógica porque é lógica. Pertence à
lógica de um cotidiano em que o desaparecimento de pessoas comuns é causado via
de regra por morte violenta das vítimas principais desses grupos oficialmente
opostos.
Violência é ilegal tanto para os
defensores da lei quanto para os transgressores e deveria surpreender que se
espere a violência de todos os dois grupos, mas ninguém se surpreende. Os
defensores da lei se acostumaram a abusar do seu direito de uso da força,
transformando força em violência, desrespeitando direitos que deveriam
defender.
Por outro lado, um corpo policial
treinado para bater, atirar e matar, é apenas a face concreta de um sistema
violento em si mesmo e de uma sociedade que precisa de especialistas em
violência que são usados comumente para garantir manutenção de estruturas, de
privilégios e de relações desiguais. Ainda mais, os policiais, esses
especialistas públicos em violência, são contratados para fazer hora extra a
favor de empresas ou de pessoas físicas, as mais poderosas da sociedade,
confundindo os setores públicos e privados.
Amarildo não desapareceu de
verdade. Simplesmente nunca apareceu. Faz parte dessa sociedade invisível,
insignificante maioria que sofre diariamente de violência política, econômica e
simbólica, alvo permanente de preconceitos e de discriminação. O cassetete de
um policial é apenas mais um instrumento para dar mais uma pancada em quem já
nasceu debaixo de espancamento social e simbólico.
O jornalista que anuncia o
desaparecimento de Amarildo aparece e aparecerá sempre para tanta gente de
terno e gravata. Roupa de marca. Talvez Amarildo tenha comprado algum terno
para ocasiões especiais, mas nunca um desse nível. Amarildo não pode comprar
roupa de marca, mas carrega tantas marcas no corpo e na alma, feridas e
cicatrizes comuns a todas as pessoas de sua categoria. Carrega especialmente a
marca de ser Amarildo, aquele que só conseguiu aparecer quando desapareceu.
*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do
CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de
Jesus em Feira de Santana, BA e do grupo de pastores da Primeira Igreja Batista
em Bultrins, Olinda, PE. Também faz parte da diretoria da Aliança de Batistas
do Brasil e é membro da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil.
CEPESC – Centro de Pesquisa,
Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055.
Nenhum comentário:
Postar um comentário