sexta-feira, 16 de agosto de 2013

A MARCA DE AMARILDO

extra.globo


Marcos Monteiro*

O Jornal Nacional dessa quarta-feira desse 14 de agosto desse 2013 noticiou sobre Amarildo. Desaparecimento de ajudante de pedreiro pode ocasionalmente se tornar notícia de televisão, especialmente em circunstâncias incomuns. Normalmente não. A permanência como notícia merece ser também notícia. Amarildo tornou-se tema de cronistas, emblema de reflexões, cartaz de protesto, palavra de ordem.

A notícia, alongada de modo inusual, prestava contas de uma investigação que dizia da suspeita de que Amarildo tenha sido assassinado ou por policiais militares ou por traficantes de drogas. A maioria da população brasileira acredita que Amarido foi assassinado por policiais. Mas, pronunciada sem inflexão diferente e ouvida sem exclamações de surpresa, a notícia parece lógica porque é lógica. Pertence à lógica de um cotidiano em que o desaparecimento de pessoas comuns é causado via de regra por morte violenta das vítimas principais desses grupos oficialmente opostos.

Violência é ilegal tanto para os defensores da lei quanto para os transgressores e deveria surpreender que se espere a violência de todos os dois grupos, mas ninguém se surpreende. Os defensores da lei se acostumaram a abusar do seu direito de uso da força, transformando força em violência, desrespeitando direitos que deveriam defender.

Por outro lado, um corpo policial treinado para bater, atirar e matar, é apenas a face concreta de um sistema violento em si mesmo e de uma sociedade que precisa de especialistas em violência que são usados comumente para garantir manutenção de estruturas, de privilégios e de relações desiguais. Ainda mais, os policiais, esses especialistas públicos em violência, são contratados para fazer hora extra a favor de empresas ou de pessoas físicas, as mais poderosas da sociedade, confundindo os setores públicos e privados.

Amarildo não desapareceu de verdade. Simplesmente nunca apareceu. Faz parte dessa sociedade invisível, insignificante maioria que sofre diariamente de violência política, econômica e simbólica, alvo permanente de preconceitos e de discriminação. O cassetete de um policial é apenas mais um instrumento para dar mais uma pancada em quem já nasceu debaixo de espancamento social e simbólico.

O jornalista que anuncia o desaparecimento de Amarildo aparece e aparecerá sempre para tanta gente de terno e gravata. Roupa de marca. Talvez Amarildo tenha comprado algum terno para ocasiões especiais, mas nunca um desse nível. Amarildo não pode comprar roupa de marca, mas carrega tantas marcas no corpo e na alma, feridas e cicatrizes comuns a todas as pessoas de sua categoria. Carrega especialmente a marca de ser Amarildo, aquele que só conseguiu aparecer quando desapareceu.

 *Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA e do grupo de pastores da Primeira Igreja Batista em Bultrins, Olinda, PE. Também faz parte da diretoria da Aliança de Batistas do Brasil e é membro da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil.
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
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