crônicas.urbanas
Visitar Mãe Silícia, em seus setenta anos de idade, não é realizar uma
atividade pastoral, mas visitar a universidade da vida e aprender em silêncio
com os seus decanos. Porque Mãe Silícia, como toda mãe e de maneira
particularmente especial, é a confluência natural de toda a sabedoria que ainda
não chegou nos livros e que não se pode obter pesquisando as bibliotecas, reais
ou virtuais, porque sabedoria popular, produzida nas profundas trocas entre
pessoas humanas, último resultado de uma história de alegrias e sofrimentos.
Quando eu cheguei no barraco da comunidade Vila Maravila e me sentei com
Mãe Silícia para partilhar um gole do seu café com o pão com manteiga e ovo
frito que ela teimosamente insiste em comprar sempre que eu apareço lá, eu
levava um verso bíblico que estava regendo minhas meditações pessoais, relação
entre amor de Deus e amor humano, e o apresentei para dividí-lo com Mãe
Silícia.
“Nós amamos porque Ele nos amou primeiro” I João 4;19.
– Engraçado – comentou ela pensativamente – hoje se fala muito
mais de amor do que antigamente. Antigamente se falava muito menos de amor, mas
– fez uma pausa como quem espera pela força do próprio pensamento – amava-se
muito mais do que hoje. Hoje se fala tanto de amor... deve ser porque está
faltando... por isso é que é preciso que se fale cada vez mais...
Saí dali meditando sobre a profundidade abissal do pensamento de Mãe
Silícia. As palavras são pronunciadas ali onde não existem, ali onde fazem falta.
As palavras são pronunciadas porque seus conteúdos não existem, porque
precisam-se dos seus objetos. As palavras são pronunciadas para que os
seus conteúdos existam, para que seus objetos apareçam.
O “banco da vida”, portanto, traz a palavra criadora indispensável e
adequada para a situação que vivemos hoje. Quando a morte se instalou como
medida claramente estrutural na sociedade em que vivemos, a palavra vida torna-se
a palavra urgente a ser pronunciada e repronunciada até que a vida retorne em
sua abundância restauradora.
Quando ligeiro voam as palavras, lançadas pela inquietude, pela saudade
e pelo desejo, de um povo que não consegue se conformar, elas procuram pouso em
seus respectivos objetos. Façamos voar a palavra vida, falemos vida, cantemos
vida, semeemos vida, até que os jardins da vida cresçam e recebam em solene
repouso essa tênue, irrequieta e imprescindível palavra.
(Esse texto se encontra no livro “Vila Maravila: um lugar diferente e cheio de graça”. O livro pode ser adquirido em contato com o autor ou na Livraria Nobel, Av. Getúlio Vargas, 2410, Feira de Santana – BA.) |
quarta-feira, 3 de julho de 2013
Quando voam ligeiro as palavras
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário