quarta-feira, 3 de julho de 2013

Quando voam ligeiro as palavras

crônicas.urbanas

Visitar Mãe Silícia, em seus setenta anos de idade, não é realizar uma atividade pastoral, mas visitar a universidade da vida e aprender em silêncio com os seus decanos. Porque Mãe Silícia, como toda mãe e de maneira particularmente especial, é a confluência natural de toda a sabedoria que ainda não chegou nos livros e que não se pode obter pesquisando as bibliotecas, reais ou virtuais, porque sabedoria popular, produzida nas profundas trocas entre pessoas humanas, último resultado de uma história de alegrias e sofrimentos.

Quando eu cheguei no barraco da comunidade Vila Maravila e me sentei com Mãe Silícia para partilhar um gole do seu café com o pão com manteiga e ovo frito que ela teimosamente insiste em comprar sempre que eu apareço lá, eu levava um verso bíblico que estava regendo minhas meditações pessoais, relação entre amor de Deus e amor humano, e o apresentei para dividí-lo com Mãe Silícia.

“Nós amamos porque Ele nos amou primeiro” I João 4;19.

 – Engraçado – comentou ela pensativamente – hoje se fala muito mais de amor do que antigamente. Antigamente se falava muito menos de amor, mas – fez uma pausa como quem espera pela força do próprio pensamento – amava-se muito mais do que hoje. Hoje se fala tanto de amor... deve ser porque está faltando... por isso é que é preciso que se fale cada vez mais...

Saí dali meditando sobre a profundidade abissal do pensamento de Mãe Silícia. As palavras são pronunciadas ali onde não existem, ali onde fazem falta. As palavras são pronunciadas porque seus conteúdos não existem, porque precisam-se dos seus objetos.  As palavras são pronunciadas para que os seus conteúdos existam, para que seus objetos apareçam.

O “banco da vida”, portanto, traz a palavra criadora indispensável e adequada para a situação que vivemos hoje. Quando a morte se instalou como medida claramente estrutural na sociedade em que vivemos, a palavra vida torna-se a palavra urgente a ser pronunciada e repronunciada até que a vida retorne em sua abundância restauradora.

Quando ligeiro voam as palavras, lançadas pela inquietude, pela saudade e pelo desejo, de um povo que não consegue se conformar, elas procuram pouso em seus respectivos objetos. Façamos voar a palavra vida, falemos vida, cantemos vida, semeemos vida, até que os jardins da vida cresçam e recebam em solene repouso essa tênue, irrequieta e imprescindível palavra.

(Esse texto se encontra no livro “Vila Maravila: um lugar diferente e cheio de graça”. O livro pode ser adquirido em contato com o autor ou na Livraria Nobel, Av. Getúlio Vargas, 2410, Feira de Santana – BA.)


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